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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária: texto tem 499 artigos e mais de 300 páginas.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária: texto tem 499 artigos e mais de 300 páginas.| Foto: Diogo Zacarias/MF

Parlamentares de oposição ligados a setores produtivos esboçaram críticas ao projeto da regulamentação da reforma tributária apresentado nesta quarta-feira (24) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O calhamaço de 360 paginas e 500 artigos, ainda não foi analisado no detalhe pelos congressistas, mas alguns pontos polêmicos já saltaram aos olhos e foram alvo de considerações.

Os parlamentares prometem trabalhar prioritariamente para aprovação dos seus próprios projetos de regulamentação, elaborados pelos grupos de trabalhos de 26 bancadas do Congresso. Num movimento inédito, as frentes parlamentares se anteciparam e protocolaram 13 projetos sobre o tema em 17 de abril.

Um dos pontos mais polêmicos do projeto apresentado por Haddad continua sendo a cesta básica, com produtos de alíquota zero. O deputado Domingos Sávio (PL-MG), presidente da Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS), classificou a lista de 18 itens da cesta do governo como "miserável".

"O Parlamento já deixou claro que defenderíamos uma cesta básica ampla, que garanta condições nutricionais plenas e saudáveis.", afirma. " Agora o governo apresenta uma cesta que não tem uma proteína. Praticamente exclui todas as carnes, bovina, suína, de aves, de peixes. Só deixa ovo. É uma cesta miserável, um retrocesso em relação a que temos", afirma Sávio.

Para o deputado, o mecanismo mantido de "cashback" (devolução parcial de impostos) como compensação também é um equívoco. "É uma proposta populista, não explica com clareza qual será a linha de corte desse cashback. A menos que ele fosse dar para 90% da população brasileira", afirma. "É uma proposta indecente, de fazer populismo usando a pobreza. Pagar para receber de volta? Então, por que pagar?", questiona.

O governo, segundo Sávio, está misturando uma reforma tributária sobre o consumo com uma política de distribuição de renda. "Política de distribuição você faz com o imposto de renda e com a execução orçamentária privilegiando os mais pobres. Com isso concordamos 100%. Agora querer dar uma tributação diferenciada por renda é inaceitável".

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também se manifestou, em nota, contra o mecanismo. "Reforçamos nossa posição sobre a desoneração da Cesta Básica, sem cashback, para famílias que necessitam de acesso à comida barata e de qualidade, como medida urgente e necessária para combater a inflação de alimentos".

"Imposto do pecado" inclui minério de ferro

Há criticas também em relação ao Imposto Seletivo, previsto na emenda constitucional da reforma promulgada no ano passado e voltado a desestimular o consumo de produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. Além de cigarros e bebidas alcoólicas, a proposta do governo de regulamentação prevê a incidência do chamado “imposto do pecado” sobre carros, aeronaves, embarcações, bebidas açucaradas, petróleo, gás natural e minério de ferro.

O deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), destacou a incidência do imposto seletivo sobre a extração de minério de ferro, petróleo e gás natural. A tributação está prevista na primeira comercialização pela empresa extrativista, incluindo os casos em que o produto seja destinado à exportação.

Os setores envolvidos já haviam externado a preocupação, já que minério de ferro e petróleo estão entre os principais produtos da balança comercial do país, que passariam a ser sobretaxados.

"A emenda constitucional aprovada abriu essa brecha para trazer algum imposto dos setores para estados e municípios", diz o presidente da FPE. "É perigoso porque todos os entes que tiverem algum problema de arrecadação vão querer 'sapecar' o imposto sobre a mineração. Vale lembrar que o imposto seletivo tem um caráter regulatório e não arrecadatório, como esta propondo o governo", destaca Passarinho.

A lista do Imposto Seletivo, para Sávio, traduz a sanha arrecadatória do governo. "Por exemplo, no caso de bebidas açucaradas, num país tropical como nosso, as pessoas que alimentam fora de casa, não por luxo, mas por necessidade de compatibilizar a refeição com o seu trabalho. Não faz sentido tributar as bebidas mais consumidas pela população".

Oposição quer mais tempo de discussão

A principal preocupação dos deputados é garantir que o processo de discussão possa ser amplo. "É inaceitável que a gente fique com uma espada sobre a nossa cabeça, dizendo temos que aprovar, agora, até o mês que vem", critica o deputado Domingos Sávio. "Temos que aprovar quando o projeto estiver maduro".

Um dos temas que promete acalourar o debate sobre a regulamentação é o do comitê gestor, criado para centralizar os tributos. Na prática, será o colegiado, e não somente governadores e prefeitos, quem tratará dos impostos a serem repassados a estados e municípios. Caberá a ele legislar, arrecadar, distribuir os recursos e também dirimir as prováveis controvérsias.

O presidente da Frente Parlamentar do Livre Mercado, deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), é autor de um dos projetos que será apensado ao do governo. "Temos propostas para o regimento dessa entidade que vai ser criada. Eles estão querendo uma burocracia central aqui para comandar todos os tributos do Brasil. É como voltar à época do império, quando se concentrava, depois distribuía para os estados e municípios", disse ele na apresentação do projeto.

As críticas não vieram somente dos parlamentares, mas também de analistas. "O Comitê Gestor do IBS é uma aberração constitucional e federativa. Ele vai retirar dos estados e municípios funções fundamentais, como a de arrecadar e financiar suas políticas públicas", afirmou Felipe Salto, da Warren Renna Investimentos.

"A estratégia de política tributária estará nas mãos de poucas pessoas em Brasília, num comitê que ninguém sabe como funcionará. É o principal calcanhar de Aquiles dessa proposta mirabolante de reforma tributária. A Emenda Constitucional 132 promoveu isso. Estamos indo para um cenário muito ruim em matéria de tributação do consumo. Haja vista a complexidade do primeiro projeto de lei apresentado [na quarta-feira]."

No entendimento do deputado Domingos Sávio (PL-MG), presidente da Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS), a Confederação Nacional dos Municípios e os governadores deverão se debruçar no assunto para garantir sua autonomia federativa. "O Comitê é consequência da criação do Imposto de Valor Agregado. Não dá para cada estado ou município legislar sobre a matéria."

Uma forma de manter a autonomia dos entes federativos, segundo ele, é controlando a arrecadação e a distribuição automática, para não ser feita por decreto ou algum tipo de gestão decidida só pelo governo federal. "Temos como colocar na lei complementar esses pontos", afirma.

Outros pontos de atenção

A Frente de Empreendedorismo elencou outros pontos de atenção no projeto, com comentários das assessorias técnicas.

1. O projeto institui o Split Payment como regra geral, atrelando o recolhimento dos Impostos sobre bens e Serviços (IBS) e da contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) ao momento da liquidação financeira da operação. Assim, atribui ao contribuinte a responsabilidade de adaptação aos meios de pagamento digitais que deverão segregar e recolher aos cofres públicos os valores do IBS e da CBS devidos. "Há muita insegurança por parte dos contribuintes com relação à funcionalidade do sistema e os meios de pagamento estão bem preocupados com essa responsabilidade".

2. Responsabilização das plataformas digitais, ainda que domiciliadas no exterior, pelo recolhimento do IBS e da CBS relativos às operações realizadas por seu intermédio. Nos casos em que o fornecedor é contribuinte residente ou domiciliado no país, a plataforma será responsável solidária com o fornecedor, caso este não seja inscrito para o IBS e a CBS ou não registre a operação em documento fiscal eletrônico.

3. Uso e consumo pessoal inclui a disponibilização de bens imóveis, de veículos e de equipamentos de comunicação, serviços de comunicação, planos de assistência à saúde, educação, alimentação e bebidas e seguros. "Não parece correto classificar como bem de uso e consumo pessoal esses itens, pois podem ser utilizados para atividade econômica da PJ, como o automóvel, o computador, o celular. Seguros e planos de saúde são despesas operacionais para o IRPJ/CSLL, deveriam ser dedutíveis também no IBS/CBS".

4. Responsabilidade tributária (solidariedade) ampliada para além daquelas já previstas no Código Tributário Nacional (CTN), incluindo pessoas que receba bem/serviço desacobertado de nota, transportador, leiloeiro, desenvolvedores ou fornecedores de programas ou aplicativos utilizados para registro de operações com bens ou serviços, em relação a descumprimento de obrigações tributárias do contribuinte, desde que tenham contribuído para o seu uso em desacordo com a legislação tributária; o entreposto aduaneiro, o recinto alfandegado ou estabelecimento a ele equiparado, o depositário ou o despachante, dentre outros. "Há inúmeras discussões doutrinárias e muita litigiosidade acerca da responsabilização de terceiros. Na prática, a fiscalização tem o costume de incluir a maior quantidade possível de responsáveis solidários, trazendo muita insegurança jurídica para terceiros. Essa ampliação do rol de possibilidades pode agravar ainda mais este quadro"

5. Repetição de indébito atrelada à comprovação do ônus econômico do imposto, segundo o disposto no art. 166 do Código Tributário Nacional. "A redação do art. 166 é muito ruim e causa muito litígio, além de ser amplamente utilizado para vetar o direito ao indébito. "Vemos com maus olhos sua aplicação ao sistema novo".

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