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Por que a “safrinha” brasileira não para de crescer e bater recordes
| Foto: Albari Rosa / Arquivo Gazeta do Povo

Quem vê a colheita de milho brasileira deste ano ganhar repercussão internacional pelo recorde histórico, pode ficar se perguntando: “Por que raios chamam de safrinha uma produção de 87 milhões de toneladas?”

Originalmente, o apelido safrinha fazia sentido devido às qualidades diminutas do ciclo de outono-inverno: tinha baixa produtividade, ocupava áreas menores/marginais e recebia pouca atenção e investimento tecnológico por parte dos agricultores.

Até 1990, o cultivo de milho da safra principal (verão) respondia por 95,7% do total. Hoje, o jogo virou. É a safrinha que concentra 70% do volume de milho produzido no País, devendo alcançar neste ano um recorde histórico de quase 90 milhões de toneladas, 3,5 vezes mais do que o grão de primeira safra (24,9 milhões de toneladas). Para efeito comparativo, a safrinha corresponde a uma vez e meia toda a produção de milho da Argentina.

Tecnicamente, não é possível plantar o milho segunda safra em 100% da área de soja, principalmente por questões climáticas, como risco de geada no Sul e interrupção das chuvas do Sudeste para cima. Neste ano, a safrinha ocupou 16,5 milhões de hectares no Brasil. Em 2031, segundo o Ministério da Agricultura, poderá chegar a 24,4 milhões de hectares. “Demanda firme e preço atraente são os principais fatores de estímulo à ampliação da área plantada. Outros grandes produtores de milho (EUA, China, Argentina, Ucrânia) têm pouco espaço para expandir, por isso, a tendência é de que o aumento do consumo mundial de milho seja atendido, em boa medida, pelo aumento da produção no Brasil”, avalia Daniele Siqueira, analista do mercado de grãos da consultoria AgRural.

Safrinha deve muito ao plantio direto

Em três décadas, a produção de milho no Brasil aumentou 359%. Menos por aumento da área plantada (de 12,1 milhões de hectares para 18,5 milhões) do que pelo incremento de produtividade, que saiu de 1.841 kg/ha em 1990 para 5.520 kg/ha em 2020. Muito se deve ao cultivo pelo sistema de plantio direto, que economiza tempo na preparação do solo, aliado a avanços na genética e biotecnologia, melhorias nos tratos culturais e no controle de pragas e doenças.

O milho encontra uma demanda cada vez mais aquecida, seja para ração animal, seja para consumo humano e, mais recentemente, para produção de etanol. “Ano a ano tem crescido o consumo doméstico de milho e a gente já não vê aquela pressão de preço tão forte da entrada da safrinha no mercado. No Mato Grosso tem havido crescimento importante da capacidade de produção das usinas de etanol que estão sendo instaladas lá. Isso aumenta o consumo do milho mais próximo à produção. Claro que o Mato Grosso ainda produz muito mais milho do que consome, é o principal exportador, mas uma parte maior desse milho acaba ficando no estado para ser processado em etanol”, aponta Ana Luiza Lodi, especialista de grãos da FCStone.

Um dos grandes trunfos do milho é fazer bem à soja, cultura que mais rende divisas ao País e lucro aos produtores. O milho areja o solo, permite maior infiltração da água, favorece a ação de microrganismos benéficos e ajuda a quebrar o ciclo de pragas e plantas daninhas à soja.

Soja e milho mantêm relação de simbiose

Por outro lado, se é fato que a soja expulsou boa parte do milho do cultivo no verão, não se pode negar que nos últimos anos ela tem ajudado a resgatar o cereal. Variedades precoces permitem que a soja seja semeada quase 50 dias antes, em comparação à época de plantio de 30 anos atrás. Isso alargou a janela no calendário para o milho safrinha. Quanto mais cedo ele for semeado, menores as chances de quebra por problemas climáticos.

Por mais que haja esforço dos produtores e da pesquisa, no último ciclo de verão, por exemplo, quase nenhum cultivar precoce de soja fechou o ciclo dentro do período previsto, segundo o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas (MG), Emerson Borghi. Simplesmente porque janeiro acabou sendo um mês muito chuvoso, estreitando a já apertada janela para o milho safrinha. Em algumas regiões do país, como Tocantins, sul do Mato Grosso, sudoeste de Goiás e Oeste do Paraná, a semeadura do milho safrinha tem que ser resolvida em apenas dez a quinze dias.

Sistema Antecipe põe milho e soja juntos, no mesmo campo

Uma forma inédita de alargar essa janela no calendário foi desenvolvida pela Embrapa e já está sendo aplicada comercialmente em fazendas espalhadas pelo país. O milho é semeado três semanas antes da colheita da soja, no espaço entrelinhas, e as duas plantas convivem juntas nesse período. O sistema foi batizado de Antecipe. Quando o maquinário faz a colheita da soja, os pés de milho também são cortados na superfície, mas num estágio em que o crescimento da planta se concentra nas raízes. A planta rebrota e consegue atingir 90% do potencial da lavoura plantada dentro da janela adequada.

“Quando o plantio é tardio (fora da janela), o produtor colhe de 60 a 70 sacos por hectare. O Antecipe pega essa produtividade e eleva para 90 sacos por hectare. A cada dia de plantio antecipado, conseguimos aumentar a produtividade em 1,5 saco por hectare. Do Paraná até Roraima, tem área com Antecipe rodando. E todos os resultados estão chegando nessa média”, diz Borghi, que integra a equipe de pesquisa.

A operação de passar com o maquinário em cima do milho e, mais do que isso, de cortar a planta em seu estágio inicial, ainda assusta muitos produtores. “Quando ele ouve pela primeira vez, tem esse primeiro impacto. Todo produtor já teve uma experiência na propriedade em que uma chuva de granizo reduziu a área foliar, mas depois o milho voltou a crescer. Quando a gente explica a ciência e a prática agronômica por trás disso, fica mais fácil de entender”, completa o engenheiro-agrônomo.

Colheita de soja em lavoura na qual o milho já foi plantado em consórcio
Colheita de soja em lavoura na qual o milho já foi plantado em consórcio| Divulgação / Embrapa Milho e Sorgo

Sistema Antecipe é inovação com DNA brasileiro

O sistema Antecipe acrescenta 20 dias na antecipação do plantio, o que pode ser chave para levar o milho safrinha para regiões até agora não alcançadas devido ao zoneamento climático, como o Oeste da Bahia. Lá, o problema é a interrupção das chuvas. Já em Guarapuava, no Paraná, o fator impeditivo é a geada. “Estamos trabalhando com o Antecipe nas duas regiões. É uma tecnologia disruptiva. Por mais que você tenha cultivares precoces e maquinário, o clima ainda é o grande diferencial. O Antecipe pega o milho que está fora do calendário e traz para dentro do calendário ideal daquela região. Hoje, não tem mais ninguém no mundo que faz esse plantio de milho na entrelinha da soja”, assegura Borghi.

A Embrapa, contudo, não revela o potencial de elevação da produção da safrinha brasileira com a adoção do sistema, por ser considerada uma informação estratégica. Atualmente, a segunda safra de milho ocupa cerca de 45% da área plantada com soja na safra de verão. Margem, como se vê, não falta para fazer da safrinha, cada vez mais, uma “safrona”.

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