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Produtos de destaque do agronegócio brasileiro estão entre os que mais enfrentam barreiras protecionistas lá fora. Novas regras da União Europeia pioram situação, mas bloco não está sozinho nessa prática.
Produtos de destaque do agronegócio brasileiro estão entre os que mais enfrentam barreiras protecionistas lá fora. Novas regras da União Europeia pioram situação, mas bloco não está sozinho nessa prática.| Foto: Dominic Wunderlich/Pixabay

Produtos de destaque do agronegócio brasileiro, como carnes, suco de laranja e café, estão entre os que mais enfrentam protecionismo e barreiras à exportação no mercado internacional. E uma nova onda de restrições pode estar a caminho, após a União Europeia aprovar a polêmica lei antidesmatamento, que pretende impor critérios unilaterais para dizer como outros países devem proteger seus biomas.

O levantamento “Relatório de barreiras comerciais identificadas pelo setor privado brasileiro”, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com 19 entidades empresariais, mostra que, globalmente, os embargos envolvem alegadas questões sanitárias e fitossanitárias, regulamentos técnicos, licenciamentos e, mais recentemente, critérios sociais e de sustentabilidade, como os anunciados pela União Europeia.

Para superar esses obstáculos, não basta apenas “ter razão”. O órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) se encontra paralisado há mais de quatro anos devido ao bloqueio dos EUA às indicações de novos juízes, por discordar de alguns processos e procedimentos. Por outro lado, o agravamento das disputas geopolíticas entre Rússia e China contra o Ocidente desestabiliza o fluxo do comércio, exigindo cada vez mais habilidades diplomáticas em negociações bilaterais, não só para abrir novos mercados como para manter espaços já conquistados.

UE ignora selo global de qualidade da carne suína

Pelo mapa das barreiras levantadas pela CNI, várias restrições violam abertamente as regras da OMC e não se encaixam em outra categoria que não o mero protecionismo. Um exemplo é a proibição de importação de carne suína brasileira pela União Europeia. O último foco de febre aftosa, espécie de termômetro das boas práticas sanitárias, foi registrado no Brasil em 2006. Santa Catarina é reconhecida como área livre da doença sem vacinação desde 2007, enquanto Paraná e Rio Grande do Sul têm esse status desde maio de 2021. Mesmo assim, as autoridades europeias não levantam o embargo.

O bloco também não reconhece o sistema de segregação brasileiro no que se refere ao uso do aditivo alimentar ractopamina na alimentação dos suínos. Diferentemente de outros países que não aceitam a substância, como China e Rússia, mas reconhecem a produção segregada e mantêm as compras, Bruxelas proíbe os embarques com a justificativa de evitar qualquer risco.

Em relação ao frango, a Indonésia, país com alta demanda da proteína animal, simplesmente proíbe a importação do Brasil há décadas, mesmo após ter sido condenada em painel de disputa comercial na OMC. A Nigéria, outro grande mercado, também veta a entrada do frango e da carne bovina brasileira, e vem protelando qualquer abertura, apesar de já ter sido acionada em comitê da OMC. O México chegou a abrir seu mercado por meio de cotas em 2013, mas em 2020 voltou atrás, derrubando em 96% o volume de importações de aves do Brasil.

Protecionismo está à solta, diz Abag

Nos últimos trinta anos o Brasil foi um dos países mais ativos no acionamento da Organização Mundial do Comércio para resolução desse tipo de controvérsias, e, portanto, é um dos que mais perdem com sua paralisia. “Nosso interesse maior é que a OMC volte a operar. O protecionismo está mais à solta, o jogo ficou mais bruto”, avalia Ingo Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).

Nos últimos anos, os ambientalistas ganharam musculatura nos parlamentos europeus e isso acabou levando o continente a focar num amplo plano de descarbonização, chamado de Green Deal. “Eles pegaram esse Green Deal e começaram a internacionalizá-lo. O problema é que o plano pode fazer sentido para eles, mas, quando internacionalizam, nem todos os critérios são válidos para outras realidades”, aponta Plöger.

Dentre as consequências, estaria a "aposta total" no carro elétrico, visto que as áreas que a Europa poderia destinar à produção de biomassa para etanol e biodiesel estarão comprometidas com o aumento do cultivo de orgânicos. Quanto aos defensivos agrícolas, para 2050 o bloco tem como meta reduzir à metade o que se aplica atualmente por hectare-ano cultivado. "Só que nós temos três safras, então é evidente que vamos gastar mais. Se pegassem o critério de tonelada de produção, a história seria diferente", enfatiza.

Lei da reciprocidade: Brasil cogita pagar UE na mesma moeda

A lei antidesmatamento, aprovada pelo Parlamento Europeu no último dia 13, ainda precisará ser chancelada pelos parlamentos dos estados-membros antes de entrar em vigor, mas já está provocando forte reação brasileira, pelo menos no Congresso, que analisa um projeto de lei de “reciprocidade ambiental” com apoio do setor privado. “Tem produtores europeus que utilizam mão de obra ilegal na produção de vinho, de azeite e de outros produtos. Então, na reciprocidade, a gente também poderá solicitar que nos deem a certificação para cada garrafa de vinho”, aponta Plöger.

Mesmo quem não vê com bons olhos essa erosão das bases da organização do comércio global, como Daniel Vargas, professor da FGV Rio e doutor em Direito pela Universidade de Harvard, entende que o Brasil tem direito de pagar na mesma moeda.

“Se por um lado eles consideram que a gente desmata e descumpre critérios mínimos de exigência ambiental, por outro lado a gente sabe que os produtos deles que chegam aqui usam uma carga de energia produzida com carvão infinitamente maior do que a nossa. E que, portanto, geram impacto ambiental negativo”, sublinha. Para Vargas, num momento de tensão entre Oriente e Ocidente, em que a política europeia “prega valorização de comércio com amigos e vizinhos, é paradoxal que essa norma empurre o Brasil cada vez mais para os braços abertos da Ásia”, destaca.

Terreiro de café em Brasília
Terreiro de café em Brasília| Wenderson Araujo / CNA

Carnes, café, laranja: restrições carecem de fundamentos

O comércio global não admite ingenuidades e o jogo duro inclui parceiros antigos, como a Arábia Saudita. Há 50 anos o país foi o primeiro cliente da Sadia no Oriente Médio, e até recentemente liderava o ranking dos embarques brasileiros de aves. Desde 2018, contudo, caiu para 5.º lugar, após cancelar licenças de 90% dos frigoríficos habilitados para exportação.

Como pano de fundo, a meta declarada do país árabe de alcançar 80% de autossuficiência até 2025. Isso inclui pressionar empresas brasileiras a abrir unidades no Oriente Médio, como ocorreu com a BRF, que tem o fundo soberano dos sauditas como acionista e inaugurou fábrica na cidade de Damman em junho do ano passado.

Dentre outros embargos ao agro brasileiro apontados no levantamento da CNI e entidades privadas, destacam-se ainda a taxação de 10% no açúcar mandado para a Argentina; 15% sobre o suco de laranja que não estiver ultracongelado e de 32% sobre o café processado enviado à China; proibição de importação de carne bovina pela Coreia do Sul, por suposto risco da doença da vaca louca, nunca registrada no Brasil; 30% de imposto sobre o frango inteiro e 100% sobre cortes e preparações embarcados para a Índia.

Curiosamente, o Japão favorece a entrada de suco de laranja não autêntico ao aplicar imposto de importação de 25,5% ao concentrado com mais de 10% de sacarose natural da fruta. Isso favorece concorrentes brasileiros que recorrem a processos industriais artificiais, não permitidos pelo Codex Alimentarius. Tailândia, China e Vietnã exigem certificado sanitário para importação de couro wet blue do Brasil, em desacordo com as normas da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE).

A União Europeia vem restringindo cada vez mais os limites máximos de resíduos de pesticidas, mesmo quando dentro dos parâmetros científicos aceitáveis; o bloco também pretende exigir auditorias para comprovar que produtos não estão associados ao desmatamento, além do mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM), medida unilateral que vai taxar supostas emissões de CO2 embutidas nos produtos importados.

Cresce adoção de barreiras regulatórias e burocráticas

Para os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, nos últimos anos as barreiras comerciais ficaram mais sofisticadas e difíceis de combater, porque envolvem questões técnicas, regulamentos e licenças criadas para dificultar os acessos a determinados mercados.

É o caso dos países que não aprovam importação de produtos transgênicos cujas tecnologias não foram testadas em seus territórios, ignorando a validade dos testes internacionais, ou exigem certificados de custos elevados que inviabilizam o comércio. As chamadas due dilligences, auditorias nas cadeias produtivas para comprovação de práticas de sustentabilidade e uma série de adequações, também elevam os custos operacionais.

“O que estamos assistindo é a ascensão de uma nova modalidade de barreira, mais sofisticada e complexa, e por isso mesmo mais sinuosa e muitas vezes difusa e difícil de combater, que são essas barreiras técnico-burocráticas, barreiras abstratas de critérios ambientais, sem uma clareza específica do que significam, mas com objetivos muito claros de limitar certos produtos para beneficiar a economia e a indústria de um certo país”, afirma Vargas, da FGV. No longo prazo, acrescenta, esses países vão estar colocando à mesa de seus consumidores produtos de qualidade inferior e mais caros.

Até o pão de queijo brasileiro não tem visto para a Europa. Simplesmente porque o bloco não aceita apresentação de certificados de duas agências regulatórias diferentes, ou seja, do Ministério da Agricultura e da Agência de Vigilância Sanitária. Como a Anvisa não pode atestar informações com relação a ovos e lácteos, atribuição do ministério, o pão de queijo permanece proibido de embarcar.

Qualidade do frango brasileiro derruba barreiras

Tantas barreiras e embargos não têm sido suficientes para frear o agro brasileiro. O caso do frango é emblemático. O país exporta para 150 países e bate sucessivos recordes de embarques devido ao reconhecido status de qualidade sanitária e preço competitivo, além de ter sido “ajudado” recentemente por casos de gripe aviária entre os principais concorrentes.

Em que pese mudança de governos, o diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Luiz Rua, destaca que existe uma estreita e contínua cooperação do setor produtivo com as equipes técnicas dos ministérios no esforço para acessar novos mercados. “Somos incansáveis nesse sentido. Esses mercados podem abrir hoje, amanhã, ou daqui a dois ou cinco anos. Mas nunca deixamos de buscar o acesso, porque entendemos que o produto brasileiro é de qualidade, com sanidade, acessível às populações e pode ajudar na segurança alimentar dos países”, diz.

Para Rua, o Brasil trabalha de maneira a não ferir a avicultura dos importadores, mas atua em complementaridade, oferecendo o que falta na produção local. “Procuramos demonstrar que produzir para atender apenas a necessidade de um corte, por exemplo, seria muito mais ineficiente por parte desses países. Nosso papel não é substituir as produções locais, que têm seu peso e importância nas economias. Inclusive oferecemos matérias-primas para que essas mesmas industrias locais possam processar e entregar valor internamente em seus países. É um pouco como a gente trabalha e por isso estamos em 150 mercados”, sublinha.

Momento exige sintonia dos setores público e privado

O momento exige foco e pragmatismo do governo, na avaliação de Ingo Plöger, da Abag. “Na parte ambiental, acho que temos mais vantagens do que desvantagens, e essas vantagens tem que ser operacionalizadas. O governo tem que sair um pouco da questão dogmática e entrar na parte pratica. E juntar com forças na parte empresarial, por que temos essa janela de oportunidades para o Brasil se mostrar como potência agroindustrial, em energia sustentável e com uma cadeia produtiva muito alinhada. Temos muita coisa, mas não podemos ficar brigando entre nós, temos que nos unir para brigar lá fora”, conclui.

Se existe sintonia entre técnicos do setor privado e dos ministérios para conquistar novos mercados, não é possível dizer o mesmo do primeiro escalão do governo, a julgar por fatos recentes. Como a presença do chefe do MST João Pedro Stédile na comitiva de Lula na China, enquanto sua militância promovia invasões de fazendas no Brasil, e as declarações do presidente da Apex, Jorge Viana, que na mesma viagem "despromoveu" o agro brasileiro, que preserva 282 milhões de hectares de vegetações nativas, associando o setor ao desmatamento de florestas.

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