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Sem medo de sustentabilidade: comparativo global mostra vanguarda do agro brasileiro
| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo

Em tempos em que conceitos de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG) se espalham por toda a economia e a sustentabilidade é item obrigatório nas negociações internacionais – haja vista o Green Deal da União Europeia, que vai cobrar taxa de carbono na fronteira e exigirá desmatamento zero de seus parceiros comerciais –, uma pesquisa global revela que os produtores rurais brasileiros já põem em prática hoje o que muitos países ainda veem apenas como uma “agricultura do futuro”, ou desafio a ser conquistado.

Reportagens recentes desta Gazeta do Povo já demonstraram como o Brasil virou potência global no combate a pragas e doenças usando bioinsumos e que detém os melhores indicadores da chamada agricultura regenerativa. Entende-se por agricultura regenerativa aquela que utiliza processos que impactam positivamente a biodiversidade, melhorando a qualidade do solo, da água e do ar.

Corroborando essa constatação, nos últimos meses profissionais da consultoria norte-americana McKinsey foram a campo e ouviram 5,5 mil agricultores da Europa, Ásia, América do Norte e América do Sul. O objetivo foi sondar o quão presentes as práticas sustentáveis estão no dia a dia do cultivo de milhões de hectares de lavouras mundo afora.

Os resultados da pesquisa vão contra as premissas dos que insistem em atacar o agronegócio e colocá-lo em oposição ao meio ambiente. Quando se adotam métricas objetivas de avaliação, fica mais difícil – tanto os críticos internos quanto para os concorrentes internacionais – desqualificar o agro brasileiro.

Em biológicos, agricultura brasileira lidera com folga

O levantamento da McKinsey mostra que nenhum outro país se aproxima do nível de adesão dos brasileiros ao uso de produtos biológicos para controle de pragas e doenças, crescimento das plantas e fertilização dos solos.

Em relação à proteção das lavouras, 55% dos nossos produtores já adotam produtos biológicos, contra 23% na União Europeia, 8% na China, 6% nos Estados Unidos, 5% no Canadá, 4% na Argentina e 3% na Índia. E zero por cento dos agricultores brasileiros “nunca ouviu falar dos biológicos”, enquanto o assunto é desconhecido para 62% dos chineses e 34% dos americanos.

No Brasil, o mercado dos bioinsumos vem crescendo a taxas de 50% ao ano, contra uma média global de 15%. Não se trata de mera substituição dos defensivos químicos, mas de uma estratégia complementar dentro do Manejo Integrado de Pragas (MIP) que previne a resistência aos pesticidas, ao mesmo tempo em que reduz os custos e a quantidade de aplicações. Os ganhos se estendem, também, na indução do crescimento das plantas e no melhor aproveitamento dos nutrientes disponíveis no solo.

Quanto aos bioestimulantes (bactérias, fungos, ácidos, extratos, biopolímeros e compostos inorgânicos), cerca de 50% dos produtores brasileiros já lançam mão desses recursos, contra 28% os agricultores na União Europeia, 23% na China, 16% nos Estados Unidos, 11% na Argentina, 9% no Canadá e 3% na Índia. A liderança também é significativa na utilização dos biofertilizantes (adubos orgânicos): 36% dos produtores brasileiros usam, contra 25% dos europeus, 22% dos chineses, 12% dos americanos, 11% dos indianos, 7% dos canadenses e 6% dos argentinos.

Plantio direto, ILPF, cultivos de cobertura

Para além dos biológicos, os produtores brasileiros se destacam também na adoção ou na intenção de adoção de outras práticas amigáveis ao meio ambiente, como o plantio direto, os cultivos de cobertura e as técnicas de aplicação de fertilizantes de liberação lenta e com taxas variáveis. Sem falar no sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), uma revolução na exploração múltipla e sustentável da terra, que já atinge 18 milhões de hectares e deve dobrar de tamanho até 2030.

Segundo a pesquisa McKinsey, o cultivo agrícola sem reviramento da terra (direto na palha) é prática declarada, ou está no radar de curto prazo, de 83% dos produtores comerciais brasileiros, contra 69% dos canadenses, 67% dos europeus, 60% dos americanos, 11% dos indianos e 9% dos chineses. Em relação às culturas de cobertura (para evitar que o solo fique descoberto nas entressafras), apenas os europeus estão à frente dos brasileiros, com 82% de adesão contra 59%, enquanto 50% dos americanos e 53% dos chineses declararam adotar a prática.  Na aplicação direcionada de fertilizantes e com taxas variáveis, os brasileiros são os únicos a adotarem a prática acima de 50%.

Para entender o processo de modernização e inovação na agricultura brasileira, é preciso olhar para a transição de gerações. Segundo Mikael Djanian, sócio da McKinsey em São Paulo, a primeira pesquisa, há três anos, já havia detectado "uma força" que empurrava o movimento tecnológico no campo. "Tem uma geração mais nova assumindo a propriedade dos pais, e eles carregam muito isso de tecnologia, ambição de crescer, abertura a tomar riscos. O que antes era uma das hipótese, a transição geracional, se confirmou com os dados desta última pesquisa", observa.

Assim, a adoção dos biológicos “explodiu” no Brasil não exatamente por obra e força da agricultura familiar ou agroecológica, mas pelo avanço da pesquisa e do desenvolvimento associado à busca dos agricultores comerciais por manejos mais eficientes e em larga escala.

Evandro Sasano, diretor de planejamento da gaúcha Simbiose, líder na produção de insumos microbiológicos no país, aponta que há 15 anos era preciso aplicar 1,5 kg de um de seus principais produtos biológicos para proteção de um hectare, com validade de quatro meses. Atualmente, são aplicados 100 ml por hectare do mesmo produto, com validade de 36 meses. “Isso corrobora demais para aumentar a adoção. Por outro lado, a resistência ou perda de eficiência dos químicos é patente. A gente é assediado por empresas que querem fazer manejos integrados para defender suas moléculas. Afinal, uma nova molécula leva de dez a quinze anos [para ficar pronta] e exige investimentos de bilhões de dólares”, afirma.

Químico quando necessário, biológico sempre que possível

Em 2014, apenas dois novos produtos biológicos tinham sido registrados no país; em 2021, foram 87. Atualmente, já são mais de 500 registros ativos à disposição do mercado.

Amália Borsari, diretora de biológicos da Croplife, associação que agrega pesquisadores, instituições e empresas de tecnologias do agro, defende a prevalência do critério científico de eficiência na hora de escolher os insumos, sejam químicos ou biológicos. “Entendo que devemos usar cada vez mais o biológico como ferramenta aplicada sempre quando possível, e os agroquímicos sempre quando necessário”, enfatiza.

As soluções biológicas não são de todo novidade para os produtores brasileiros. Prova disso, segundo o pesquisador Jerri Zilli, da Embrapa Agrobiologia, está na tradição de uso de bactérias inoculantes de nitrogênio na soja.

“A gente faz isso no Brasil melhor do que no resto do mundo há muitos anos. A economia é de 15 bilhões de dólares por ano, uma economia absurda pelo fato de utilizar a inoculação e reduzir a dependência de 6 milhões de toneladas de nitrogênio por ano”, sublinha.

A diferença agora é que os produtores teriam acordado para a necessidade de atualizar o pacote tecnológico da agricultura tropical, calibrando e diversificando melhor o uso dos insumos. “A inoculação de nitrogênio é o grande exemplo. O produtor vê que com a matemática não dá para discutir, então, isso acaba puxando outros produtos biológicos”, assegura.

Segundo definição da Embrapa, insumos biológicos "são os produtos ou processos agroindustriais desenvolvidos a partir de enzimas, extratos (de plantas ou de microrganismos), microrganismos, macrorganismos (invertebrados), metabólitos secundários e feromônios, destinados ao controle biológico. Esses insumos são também os ativos voltados à nutrição, os promotores de crescimento de plantas, os mitigadores de estresses bióticos e abióticos e os substitutivos de antibióticos”.

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