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E se Faustão tivesse falado de Bolsonaro? Qual o problema?
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Antes que os vestidores de carapuça da nação apontassem Bolsonaro na fala de Fausto Silva eu seria incapaz de encontrá-lo ali. Mantenho minha visão do primeiro momento: me pareceu que o apresentador usou a palavra “imbecil” para se referir a qualquer funcionário da administração pública que seja incompetente, ainda que honesto.

Pessoalmente, só havia achado estranha a associação entre a palavra e o Mito pelos seus apoiadores. Entendo a oposição querer tirar casquinha com tudo, é do jogo. Mas passar pela cabeça dos apoiadores que o discurso era sobre Bolsonaro parte da premissa de que ele deve ser um imbecil. Eu discordo e não achei realmente referência que justifique o frisson entre bolsonaristas.

Logo depois veio o vídeo em que o apresentador confirma não ter feito alusão ao Presidente da República, com uma mensagem específica àqueles de quem não se estranha o comportamento de tentar enfiar a carapuça à força no presidente da República, a oposição. “Aos derrotados, façam uma autocrítica e tenham humildade de reconhecer a derrota, até porque, só assim, vocês poderão engrandecer o Brasil, fazendo uma oposição coerente, consistente, mas pensando no país e não nos próprios interesses” – reagiu Faustão.

Mas o colega Gustavo Nogy, o amigo Joselito Muller e alguns seguidores do twitter me alertaram para outra estranheza: e se Faustão realmente tivesse dito “aquele imbecil que está lá” se referindo a Jair Bolsonaro? Qual o problema?

Outros comunicadores já tiveram reconhecido na Justiça o direito de se referir com palavras muito mais pejorativas a outros mandatários e políticos. Alguns receberam fervoroso apoio, com direito a multidão em frente ao tribunal, justamente dos que agora dão xilique porque alguém disse algo sobre o presidente da República. Por que todo esse rumor com uma declaração meio truncada, gravada em novembro, vinda do Faustão? Ele estaria proibido de fazer o mesmo que é aprovado em outros casos?

Tem dias em que me sinto de volta a 2003, quando o governo Lula assumiu. Ai do jornalista que falasse um “A” contra, era imediatamente catapultado para o seleto grupo da Imprensa Golpista, depois apelidado de PIG pelos militantes. Hoje, os militantes repetem a toada, com muito mais força devido ao florescimento das redes sociais. Política messiânica é um dos males mais antigos do Brasil.

Nossa cultura de duas classes, a de quem manda e quem obedece, forjou um episódio inusitado há pouco tempo com o ministro Ricardo Lewandovski. Integrante da Suprema Corte, se achou no direito de mandar prender um cidadão simplesmente porque ele vocalizou num avião que tem “vergonha do STF”. Na época, os apoiadores de Bolsonaro, que não gostam do ministro frequentemente relacionado ao PT, pareciam compreender bem o direito de crítica a quem tem cargo público.

O natural é que qualquer deslize ou ato que pareça deslize vindo do governo Bolsonaro seja escrutinado muito mais a fundo do que antes na história desse país. É o primeiro governo que se elege com a pauta única do enfrentamento à corrupção, não há espaço nem paciência para jeitinho brasileiro.

Um governo ainda em lua-de-mel não pode se sentir tão abalado por críticas ou questionamentos pontuais. Há que se explicar em detalhes o caso Queiroz, o vai-e-vem dos pronunciamentos econômicos, as contas de gabinete do ministro-chefe da Casa Civil, a introdução de uma logomarca que atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, a promoção com salário triplicado do filho do vice-presidente, o tipo de Reforma da Previdência que teremos e o que foi planejado para os 100 primeiros dias.

É esquisitíssimo que a mesma militância vitoriosa, capaz de eleger um presidente da República num debate centrado em moralidade, considere uma afronta que sejam cobradas as explicações mais básicas e os atos mais elementares de transparência do governo. Muitos vociferam que questionar ou criticar é “torcer contra”. Não é, é torcer a favor do Brasil. Mas, e se fosse torcer contra? Está proibido? Não considero inteligente ser contra o sucesso do próprio país, mas outros podem pensar diferente de mim. Qual o problema?

Temos outro problema além da idolatria de pessoas: o culto obsessivo à irrelevância.

O que muda na nossa vida porque o Faustão, a Fernanda Lima ou um convidado da Fatima Bernardes disseram qualquer tipo de coisa? Sinceramente, é possível considerar que são aparições públicas e opinar, mas a dimensão que esses assuntos tomam, principalmente se comparados a problemas como a Segurança Pública e a Previdência Social, é completamente desproporcional.

Há os que querem parecer inteligentinhos e, a cada pronunciamento de famoso, se dedicam a turbinar o assunto – e o famoso – com mensagens do tipo “acabei de descobrir que existe a atriz fulana” ou “me falaram agora que ainda passa o programa tal”. É nessa necessidade melancólica de tentar se afirmar mais culto ou erudito que o cidadão comum que se baseia o culto à irrelevância. As mensagens e atos dos que não são relevantes para o andamento da vida nacional são combustível do medíocre que tenta se diferenciar e, talvez por isso, acabem tomando uma proporção gigantesca.

Proliferam as afirmações de “você não deveria dizer isso”, “tal empresa de comunicação deveria ter editado isso”, “fulano deveria falar tal coisa”. Há pessoas que perderam completamente o pudor de atentar contra a liberdade alheia, numa ilusão de que são mais que donas da verdade, se sentem donas da liberdade das outras pessoas. Não se trata de manifestação de poder, mas o contrário, de fragilidade. Há que ser muito frágil alguém que só suporta conviver com o que lhe apetece e é incapaz de ver a beleza da diversidade.

A diferença entre conduzir uma campanha política vitoriosa em todos os sentidos e governar é que na segunda fase os problemas surgem inevitavelmente e, em vez de ser inimigo dos adversários, o governante é o presidente deles também, gostem ou não.

O comportamento de campanha acabou com o anúncio da vitória para muitos. O clima de trabalho começou para muitos no governo há uma semana. Outros, desacostumados a trabalhar ou enfrentar a realidade, não conseguem sair do clima de fla-flu e guerrinha de lacração. Deixar Jair Bolsonaro governar é começar por tratá-lo como o que é, o presidente da República Federativa do Brasil, eleito com mais de 50 milhões de votos para moralizar o país. Tratá-lo como inimputável, como fazem alguns de seus apoiadores que se metem até a responder pelo governo, é um movimento ultrajante.

 

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