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Mulher e Álcool
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Quando a igreja deixou de ditar regras sobre todas as áreas do conhecimento, a medicina se desenvolveu mais e começou a notar que a dependência química e doenças mentais não se tratavam de uma questão religiosa, muito menos poderiam ser minimalizadas à falta de caráter. No começo do século XX, o alcoolismo foi percebido como uma patologia, caracterizada como síndrome. Mas, só após a Segunda Guerra Mundial a mulher passou a ser vista como personagem desse preocupante contexto.
As necessidades femininas frente a esse problema são diferentes das dos homens, por isso a importância de uma atenção direcionada a elas. No livro Um passado que vive – Transmissão familiar do alcoolismo feminino (editora Rosea Nigra), da psicóloga Ana Beatriz Pedriali Guimarães, a mulher e suas relações familiares são colocadas em evidência, mostrando ao público os pontos críticos em torno do tema, principalmente o vínculo existente entre mães, filhas e o alcoolismo. A pesquisa apresentada no livro recebeu premiação em 2009, pelo National Institute of Drug Abuse (NIDA-USA), no 11th Annual Meeting of International Society of Addiction Medicine (Calgary – Canadá). Segundo a autora, levantar essas questões é fundamental para a prevenção e um tratamento direcionado.

Divulgação

A seguir, uma entrevista com a psicóloga Ana Beatriz Pedriali Guimarães.

Quais os efeitos do álcool na mulher?
As questões biológicas entre homens e mulheres são bastante diferentes. As mulheres desenvolvem a doença rapidamente e ficam embriagadas com menos quantidade de bebida. O processo de metabolismo do álcool é mais lento que no homem, ficando mais tempo na circulação sanguínea. Complicações no ciclo menstrual, depressão e transtornos de humor também podem ser decorrentes do alcoolismo.

Como a mulher se relaciona com o alcoolismo?
Antigamente, existiam mulheres alcoolistas, mas de forma velada. Elas consumiam álcool de cozinha. Hoje é aceito que elas bebam em bares e restaurantes. Mesmo assim, quando elas têm um problema de alcoolismo tendem a esconder mais que os homens. Elas sentem vergonha perante a família e a sociedade, o que dificulta buscar tratamento. Com as mulheres, o tratamento em grupos femininos funciona melhor.

Quando o álcool se torna uma opção?
A dependência química surge da desconstrução da estrutura psicológica (criada desde a infância, no ambiente familiar e escolar) de uma pessoa. Sendo assim, a questão sociocultural não define e não protege a pessoa de desenvolver uma dependência química, já que a desestrutura psicológica está ligada aos traumas e as violências vividas durante a vida. Esses fatores influenciam a autoestima da pessoa. Com a autoestima estável, eu consigo lidar com as adversidades do dia a dia. Já, se eu não tenho capacidade de lidar com os meus problemas, eu vou recorrer a opções fora de mim, como o uso do álcool.
Os modelos vividos influenciam na transmissão do alcoolismo entre as gerações. A mãe briga com o pai e vai beber. Tem uma desavença com a avó, bebe. A geração (da filha) aprende que quando se tem um problema, o álcool é a melhor maneira de lidar com isso, justamente porque não aprendeu diferente.

Essas mulheres vislumbram outras hipóteses de vida?
Elas nem chegam a cogitar outros pensamentos. Por exemplo, na história dessas mulheres o divórcio é algo recorrente. Quando eu perguntava a elas porque não se casavam de novo, elas me diziam que não queriam mais apanhar. Eu falava: “E porque você não escolhe um homem que não te bata?” Elas me respondiam: “Ah! Até parece que isso existe!” Ou seja, elas não acreditam que existam homens fiéis e que as respeitem.

Como prevenir as gerações futuras?

A prevenção se dá com a terapia e aprendendo que a vida é feita de escolhas. A tendência é basear as decisões nos modelos conhecidos de vida, mas essas mulheres podem escolher estilos de pessoas diferentes para se relacionar e encontrar outras formas de lidar com os problemas do dia a dia que não seja bebendo – ela pode falar com alguém ou extravasar fazendo um exercício. Como elas estarão agindo diferente, as filhas delas terão modelos diferentes e essa é a ideia da prevenção entre as gerações futuras.

O que mais a impressionou durante a pesquisa sobre essas mulheres?

O tipo de família do qual elas fazem parte. Pensávamos que elas possuíam uma família desligada, sem elos de afeto. É justamente o contrário. Elas vivem no tipo de família emaranhada. Famílias com vínculos extremamente próximos, o que também é patológico. O brasileiro tem mania de achar que a família emaranhada é uma família feliz, mas nessa estrutura familiar você não tem espaço para pensar com a sua própria cabeça. Os filhos não conseguem crescer. Eles têm sempre que agradar aos pais – sempre tão amorosos, cuidadores e protetores. Então, quando os filhos querem algo diferente do que os pais esperam, os filhos se sentem culpados. Para lidar com essa culpa, o álcool é considerado uma saída.

Qual a sua opinião sobre esse assunto? Você concorda que, ainda hoje, a relação existente entre a mulher e o álcool é um tabu?

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