Produtos & Ingredientes
Irmãs que começaram com receita de família vão produzir 100% de seu chocolate
Começou com uma receita que a mãe passou para as filhas prepararem trufas de chocolate para uma festa da família. “Era 1998 ou 1999. Passamos a aceitar encomendas para amigos e família, depois vendemos no restaurante dos nossos pais. E não paramos de trabalhar com chocolate desde então”, relembra Carolina Schneider, a chocolateira da Cuore di Cacao.
Quase duas décadas depois, a receita de trufa deu origem a um novo momento: até dezembro, a marca pretende ser totalmente bean to bar, ou seja: comprar o cacau e o transformar em chocolate dentro da própria cozinha. “A vontade existe desde 2007 e só foi possível a partir de 2012, quando parte da produção de cacau nacional fugiu da produção de commodity e foi se aprimorando. Começaram a ganhar prêmios no exterior. Vimos que tinha matéria-prima de qualidade e acesso à tecnologia para produzir pequenos volumes, porque nos EUA virou uma febre a produção bean to bar”, relembra Carolina.
Atualmente, cerca de 60% do chocolate usado é produzido na casa. A produção é considerada pequena: são torrados seis quilos de cacau por vez e no processo de refinamento, a capacidade é de 20 quilos por vez (o que pode levar dois dias).
Semanalmente, 2 mil palets, os bombons quadradinhos com dezenas de recheios (banana com cachaça, praliné crocante de avelãs e limão siciliano, por exemplo), são colocados na vitrine da loja. Aberta em 2004, a Cuore di Cacao passou a trabalhar com chocolate de origem em 2012 — liam-se nos rótulos das barrinhas: São Tomé, Java, Grenade, Trinidad e Tobago — e a transformar amêndoas de cacau em chocolate dentro de sua cozinha. “Na época, parecia difícil fazer 100% do nosso chocolate”, diz Bibiana Schneider, irmã de Carolina e a responsável pelas embalagens, apresentação e decoração dos bombons de chocolate.
E como aumentar a produção de chocolate próprio em 40% em menos de seis meses? “Matéria-prima não é o problema atualmente no Brasil. Nem mão de obra, porque a empresa somos eu e minha irmã e meus pais. Temos três funcionárias treinadas na cozinha, a questão de organização do maquinário e aumentar o volume da torra de cacau”, diz Carolina.
“Podemos crescer muito ainda mesmo fazendo o processo bean to bar, mas há um limite dado pela produção de cacau fino nacional. E, claro, com este processo não se chega ao volume de produção de uma grande indústria”, diz Bibiana.
Outra ação da Cuore di Cacao para os próximos meses é levar os produtos, até o momento encontrados apenas em Curitiba, para outras cidades do Paraná e Região Sul e, posteriormente, ao eixo Rio – São Paulo.
Para o final de junho, a Cuore di Cacao lança as barras de chocolate (50 g) em nova embalagem, de papel pardo revestido com alumínio e fecho ziplock, para evitar umidade. Serão 15 sabores, entre eles o já clássico 42% ao leite e 70% ao leite. Por uma demanda de mercado, a Cuore elaborou duas com maior teor de cacau: o 70% Nature (feito apenas de cacau e açúcar, com o mínimo de manteiga de cacau) e o 85% cacau.
“Há uma tendência de procurar produtos o mais naturais possível. Uma parte do público está formando o paladar a partir dessa preferência por produtos puros, com pouca adição de outros ingredientes. Outra tendência é não acrescentar baunilha à receita de chocolate”, explica Bibiana.
14 anos, 14 prêmios
A Cuore di Cacao completa 14 anos em 2018 com dois novos prêmios. Ao todo, agora são 14 e o reconhecimento foi espontâneo: nenhum dos prêmios exibidos na parede da loja, no Batel, foram fruto de inscrição em concurso.
O primeiro prêmio foi da revista Gula, em 2008, que destacou a chocolateria quando Carolina e Bibiana ainda trabalhavam com chocolate belga. “Enquanto muitas das marcas novas querem seguir uma linha purista, nós sempre pensamos em como combinar o chocolate a outros ingredientes”, conta Bibiana. “Nossos anos de mercado nos dão conhecimento do que o cliente procura e o que podemos oferecer dentro do que nós acreditamos”, completa.
Os prêmios mais recentes são os de voto popular da semana Bean to Bar, realizada em São Paulo. Durante o evento, o público — gente que tem uma marca artesanal de chocolate ou quer começar uma — elegeu a chocolateria curitibana como a segunda melhor ao leite e o portfólio da marca em terceiro na categoria barras com inclusão, jargão do mercado para chocolate em barra com ingredientes extras, tais como nibs de cacau, frutas secas, castanhas.
Duas das combinações mais pitorescas da Cuore di Cacao são de chocolate meio amargo com morango com pimenta rosa e com laranja com coentro em grão. “Enquanto muitas das marcas querem seguir uma linha purista, nós sempre pensamos em como combinar o chocolate a outros ingredientes”, conta Bibiana. “Você pode provar, testar, degustar. Mas só a experiência de repetir o mesmo processo inúmeras vezes e fazer pequenas mudanças de um para o outro para notar o que pode melhorar é que possibilita que chegue à excelência. E a gente quer fazer um produto de excelência”, completa.
Processo bean to bar
Para fazer uma barra de chocolate 70%, premiada pelo Prêmio Bom Gourmet nos anos 2013 e 2015 e indicada em 2016 na categoria Chocolate no Prêmio Bom Gourmet, usam-se cerca de dois frutos de cacau. Até o fruto virar o doce premiado, as sementes passam por uma série de processos minuciosos e controlados de perto por dezenas de olhos e mãos.
Quando a saca de cacau fermentado e seco chega dos dois fornecedores do Sul da Bahia à Rua Fernando Simas, é preciso selecionar as amêndoas. “Furada, muito pequena ou muito grande, quebrada ou achatada não vale. Senão algumas torram demais e deixam gosto amargo”, explica Bibiana.
As amêndoas dentro do padrão passam por uma torra que chega, no máximo, a 110 graus C. Depois, casca e nibs são separados por um máquina — a casca, recentemente, virou um produto também, o “chá de cacau”. Os nibs seguem para moinhos de pedra que refinam o cacau até ele se tornar líquido, processo que pode levar mais de dois dias. Durante o processo de refinamento é acrescentado o açúcar demerara orgânico, o único tipo usado pela marca nesta nova fase. Dali, o chocolate vai para a temperagem à mão, para que não tenha contaminação cruzada com chocolate ao leite processado na máquina.