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É na Ceasa que está o principal gargalo da distribuição de alimentos, mas também a solução para evitar isso.

Mercado e Setor

Como restaurantes estão cada vez mais atentos às questões socioambientais

Gustavo Ribeiro
10/07/2020 14:25
O movimento da sustentabilidade se espalha por diversos setores produtivos da sociedade, e não seria diferente com o segmento da alimentação – um dos mais importantes e com mais impacto sobre o meio ambiente. Por isso é cada vez mais comum ver restaurantes e empresas que fazem parte da cadeia de distribuição mais antenados e alinhados a práticas sustentáveis e responsáveis, seja na administração de seus negócios ou no que entrega para os consumidores.
Segundo a empresa
britânica de consultoria de mercado Mintel, o segmento da alimentação não terá
como fugir da questão da sustentabilidade. Mais que isso, só vai sobreviver se
colaborar para uma visão sistêmica que contemple ações de sustentabilidade no
ciclo de vida completo dos produtos, desde a fazenda até a descarte do que
sobrou do prato no restaurante. Isso ao mesmo tempo em que o consumidor forma
uma visão mais abrangente sobre hábitos alimentares e se torna mais exigente e
crítico em relação às empresas com que se relaciona.
A parte mais visível de toda a cadeia da alimentação são os restaurantes, que fazem a conexão entre quem produz e quem consome. E existe uma série de ações que podem ser realizadas nesses estabelecimentos para reduzir não apenas o desperdício de alimentos, como também para diminuir o consumo de água e de energia elétrica, e ainda criar uma relação mais próxima e responsável com produtores locais. Há, inclusive, uma cartilha elaborada pelo Sebrae que aponta diversos aspectos que os restaurantes podem apostar para acompanhar essa tendência e, de quebra, economizar e tornar o empreendimento mais viável.
Desperdício
O principal ponto que recai sobre os restaurantes é o desperdício de comida. Muito alimento entra e boa parte acaba indo para as lixeiras, sem sequer ser tocado. O conceito de reuso se aplica nesse caso. É possível usar todo o alimento, mesmo aquela parte que parece não ter utilidade. “Quem elabora o cardápio precisa ter um olhar global, porque envolve muitas questões. Por isso é preciso ser muito inteligente nesse momento. Se tiver muita casca de legume, como pode aproveitar aquilo? Se ela for para um caldo, não é preciso comprar mais ingrediente, e é ótimo. Não jogo no lixo, o impacto é menor e ainda tem a questão financeira. Pensar no desperdício é pensar na sustentabilidade do negócio”, explica a nutricionista e coordenadora do curso de Pós-Graduação em Gastronomia Funcional da Universidade Positivo, Bruna Oliveira Linke.
Mas nem sempre é fácil combater o desperdício, seja por questões pessoais de falta de alinhamento com essas novas práticas ou porque simplesmente o tipo de estabelecimento permite pouca margem de manobra nesse sentido. Para se livrar dessas amarras, é preciso ousar e mudar.
“Com um cardápio fechado é mais difícil fazer essas mudanças, pois o proprietário vai precisar oferecer aquilo o ano todo. Para mudar o cardápio constantemente e usar de forma mais racional os alimentos, o proprietário tem que ser mais ousado. Por isso os restaurantes mais tradicionais não conseguem trabalhar dessa maneira”, comenta Linke.
Mesmo aqueles estabelecimentos que trabalham para reduzir o desperdício por vezes se veem em situações em que há pouco a fazer. As sobras de alimentos, por questões sanitárias, não podem ser doadas. O que poderia ajudar alguém a se alimentar não acontece porque a legislação não permite. Entretanto, existe um possível alento para o setor de que essa situação pode mudar. Um projeto de lei (PL 1.194/2020) de autoria do senador Fernando Collor (Pros-AL), aprovado no Senado em abril deste ano, passou a permitir, em virtude da pandemia do novo coronavírus, que alimentos, não só de restaurantes, mas de empresas da cadeia alimentícia, possam doar alimentos que iriam para o lixo.
Para que a doação ocorra, é necessário que os empreendimentos cumpram algumas exigências: os alimentos precisam estar dentro do prazo de validade e em condições de conservação, que não tenham comprometidas sua integridade e segurança sanitária, e que tenham mantidas suas propriedades nutricionais e a segurança sanitária.
“Essa é a forma de nós legalizarmos e darmos condições para que o excedente da produção de alimentos chegue às pessoas que estão necessitando e que precisam se alimentar, sobretudo num momento em que essa pandemia traz o desassossego em cada um dos lares brasileiros”, defende Collor, em entrevista ao site do Senado Federal.
A professora da
Universidade Positivo comemora esse novo caminho na legislação e espera que
siga dessa forma mesmo após a pandemia. Segundo ela, os ganhos são enormes para
o setor e para a sociedade como um todo. “O texto está incentivando as doações
de excedentes, principalmente para pessoas em situação de risco. Só de pensar
que isso possa permanecer pós-pandemia, eu vejo um novo horizonte. É algo que
precisa ficar, e claro, com a responsabilidade de garantir cuidados com os
alimentos. Isso não pode mudar”, reforça.
Sustentabilidade
Não é só de combate
ao desperdício de comida que vive um restaurante sustentável. Da mesma forma
que uma casa, há ações que podem ser feitas que vão garantir um consumo mais
baixo de energia elétrica e água, sem contar o cuidado com o destino dos
resíduos, como óleo de cozinha. O próprio ambiente, com mais iluminação
natural, as mesas e cadeiras de origem certificada, sem contar os equipamentos,
mais eficientes e com a manutenção em dia.
Apesar de ser um caminho sem volta, ainda falta a muitos estabelecimentos a consciência em relação à sustentabilidade. Mas é preciso começar em algum momento, é inevitável. “O mundo está pedindo isso, há uma necessidade de responder a essa questão. É preciso praticar as questões de sustentabilidade, colocá-las como prioridade, como a separação do lixo, o descarte dos resíduos e do óleo, o reaproveitamento dos alimentos e tudo o que for possível para reduzir o impacto ambiental. Os proprietários estão conscientes disso, mas precisam começar a fazer”, aponta a presidente da regional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no norte do Paraná, Fernanda Yumi.
Mais que isso, a pandemia da Covid-19 mostrou para muitos estabelecimentos que é preciso se reinventar, economizar e oferecer novos serviços e produtos para os clientes. E a sustentabilidade pode ser o guia nessa situação. “No momento em que vivemos, precisamos cortar custos para preservar empregos e a própria atividade. Mas acredito que com essa pandemia nós precisaremos nos reinventar e descobrir formas de garantir a continuidade e uma forma é colocar essas questões em práticas, pois favorece o proprietário e fortalece a economia como um todo”, prossegue Yumi.
Cuidado com o próximo
Ao mesmo tempo em que ações de sustentabilidade começam a se espalhar pelo setor de restaurantes, um movimento que está bem ligado a essas questões também se intensifica. É o incentivo ao consumo de alimentos de pequenos produtores locais. Os benefícios para todos os lados são visíveis. O produtor ganha um novo cliente, direto, sem intermediários. O restaurante tem na cozinha produtos mais frescos e nutritivos. O consumidor ingere alimentos mais saudáveis. E por fim há um menor impacto sobre o meio ambiente com a redução de transporte e de uso de conservantes.
“Quando valorizamos a
sazonalidade e o produtor local, estamos pensando em sustentabilidade, estamos
pensando na saúde de todos, as pessoas, as plantas e os animais. E estamos
possibilitando uma renda para pequenos produtores. Quando consumimos alimentos
locais, ingerimos mais nutrientes porque não há a necessidade de conversação,
transporte, e o todo o impacto que isso gera”, diz Linke.
Não à toa que muitos
restaurantes têm apostado em cardápios flexíveis, para que possam não apenas
evitar o desperdício, mas também utilizar o que o produtor local tem à
disposição em um determinado período. Há, assim, a garantia de alimentos sempre
frescos, sem a necessidade, por exemplo, de congelamento. O cardápio pode até
mudar, mas não necessariamente a preferência do cliente.
Nesses
estabelecimentos, as questões socioambientais são vistas pela clientela como um
diferencial positivo: vale mais o que o restaurante faz em prol da sociedade do
que a fidelização do cardápio. “O público acaba indo nesse tipo de
estabelecimento porque as ideias estão em sintonia. E vai porque sabe que a
comida é fresca, é mais nutritiva e valoriza as pessoas, aumentando a renda
daquela região. São nesses espaços que se fecha a tríade da saúde, da economia
e do social”, completa a professora da Universidade Positivo.
Gargalos na
distribuição
De toda a cadeia de
produção de alimentos, o principal gargalo do desperdício são as Centrais
Estaduais de Abastecimento, mais conhecidas como Ceasas. De lá chegam e saem
toneladas de frutas, legumes e hortaliças todos os dias em diversos pontos do
Brasil — no Paraná são cinco unidades, em Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu,
Londrina e Maringá. O funcionamento é razoavelmente simples. O produtor entrega
o produto nas centrais, o permissionário vende os alimentos para os varejistas
e fica com uma porcentagem do que é comercializado. Só que geralmente nem tudo
é vendido, e muitas vezes não vale a pena para o produtor levar de volta o
produto. Com isso, faz-se o desperdício.
Era bastante comum
que boa parte dos alimentos acabasse no lixo. Mas há vários anos foram criados
os Bancos de Alimentos, que funcionam dentro das Ceasas, e que recebem o que
não foi comercializado, se o permissionário assim permitir. Dali saem em forma
de doação diretamente para mais de 450 entidades paranaenses, como orfanatos,
creches, hospitais públicos e entidades assistenciais. O reaproveitamento médio
é de 200 toneladas mensais nas cinco Ceasas do Paraná.
Mesmo assim, nem tudo
o que vai para os bancos é aproveitado. “Em determinados períodos do ano, a
quantidade de alimentos que entra no banco é muito grande e nem a doação acaba
sendo suficiente para destinar a totalidade dos alimentos. Por isso estamos
trabalhando na possibilidade de transformar os alimentos em minimamente
processados, embalados a vácuo, mantidos em câmara fria, para que possamos
reduzir o desperdício e ter alimentos disponíveis durante todo o ano para doar
em momentos de calamidade”, explica a diretora do Desan (Departamento de
Segurança Alimentar e Nutricional) da Secretaria da Agricultura e do
Abastecimento, Márcia Cristina Stolarski.
O projeto para aumentar a vida útil dos alimentos nos Bancos de Alimentos já está em andamento e conta com profissionais de nutrição para garantir a qualidade do produto e também a devida conservação. Mas só eles não dão conta de fazer tudo. Por isso, o governo do Paraná vai permitir que apenados em período de remição trabalhem uma parte do dia nos bancos, ajudando a preparar e embalar os alimentos.
“Esse era um dos grandes problemas que tínhamos, de mão de obra. Agora menos alimento será desperdiçado e ainda existe um trabalho social”, diz Stolarski. “Não vamos conseguir zerar o desperdício, mas vamos trabalhar para reduzir ao máximo. E com isso já podemos pensar em novos passos, mais complexos, como a compostagem”, completa.
A otimização dos bancos é uma das diversas ações que fazem parte do programa de redução do desperdício iniciado em junho de 2019, desenvolvido pelo governo do Paraná e Ministério da Cidadania. O investimento previsto é de R$ 1,03 milhão até 2021 — a parte do governo federal é de R$ 1 milhão e do governo estadual é de R$ 30 mil. As ações não se limitam às Ceasas e se espalham desde os agricultores até os consumidores, especialmente com campanhas e eventos para promover a redução do desperdício.

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