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Produtos & Ingredientes

Queijo diamante ainda luta para sair da ilegalidade

Juliana Gomes, de Florianópolis, especial para Gazeta do Povo
09/05/2018 20:00
A família de Cristiano Marchi produz a mesma receita de queijo artesanal à base de leite cru há três gerações. Hoje, com apenas cinco vacas, ele é o único que insiste no ramo. Seu trabalho já foi reconhecido nacionalmente. No Prêmio Queijo Brasil de 2017, em São Paulo, o produto do catarinense, o queijo diamante, foi premiado com a medalha de bronze entre mais de 400 participantes de todo o país.
O queijo que leva o nome da região onde é produzida em Santa Catarina (comunidade Diamante), possui casca amarela, tem textura macia e sabor suave.
Queijo diamante de produtores diferentes. Foto:  Remy Simão/Epagri
Queijo diamante de produtores diferentes. Foto: Remy Simão/Epagri
Na comunidade, que faz parte do município de Major Gercino (SC), a rotina de Cristiano inclui recolher o leite das vacas a cada 12 horas, por meio da ordenha mecânica, carregar os líquidos até a cozinha de casa, adicionar o coalho, esperar 45 minutos, cortar, mexer e aquecer a massa até 45 graus. Depois dessa etapa, é a vez do sal e das formas de madeira, onde as peças aguardarão entre 30 e 35 dias para serem comercializadas, ainda na clandestinidade. Os clientes são consumidores da região e restaurantes de Florianópolis e Nova Trento.
Assim como Cristiano, há cerca de 50 famílias em Major Gercino e mais de 6 mil em Santa Catarina que tiram do laticínio artesanal o seu sustento e tentam regularizar seus produtos. Além do diamante, outros queijos catarinenses feitos à base de leite in natura também correm risco de extinção de acordo com o Movimento Slow Food: o serrano, o queijinho, o kochkase e o colonial.
Por mais que o projeto de lei protocolado pelo deputado João Amin (PP) e pelos integrantes do Slow Food tenha sido aprovado e sancionado pelo governo do estado de Santa Catarina, os produtores ainda precisam percorrer um longo caminho até a legalização das suas produções.
Para Michele Carvalho, que participou da redação da lei e é especialista em laticínios, a nova legislação traz benefícios para o produtor de queijo artesanal e também para os consumidores, que terão a segurança de que os produtos estarão aptos para consumo. Uma das etapas que as famílias precisam vencer agora é a certificação dos animais, para garantir que estejam livres de doenças como a brucelose e a tuberculose. No caso do produtor Cristiano Marchi, falta pouco para concluir esta fase.
O desafio é conseguir apoio financeiro para auxiliar os produtores nessas adequações, que custam caro. Iniciado em outubro de 2017, um projeto da Universidade Federal de SC (UFSC) em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), e patrocinado pela Fundação Banco do Brasil, vai ajudar os agricultores nesse processo, começando pelos exames de saúde dos animais.
Mesmo com os avanços, Cristiano não é muito otimista. Ele acredita que muitas famílias devem desistir da produção porque já cansaram dos anos de clandestinidade e por conta dos entraves ainda a serem vencidos. “Já saí daqui do interior para morar em Florianópolis, mas voltei porque eu gosto disso aqui. Só que as novas gerações estão indo embora, buscando novas oportunidades. Não sei se vamos ter queijo diamante daqui a 20 anos”, lamenta o catarinense.

A comunidade do Diamante

Comunidade de Diamante, no município de Major Gercino. Foto: Remy Simão/Epagri
Comunidade de Diamante, no município de Major Gercino. Foto: Remy Simão/Epagri
No interior de Major Gercino, que fica a cerca de 120 quilômetros da capital Florianópolis, Diamante situa-se em uma altitude média de 700 metros, o que significa invernos gelados, que favorecem a produção do queijo de leite cru. A cidade não chega a ter 4 mil habitantes e foi colonizada por imigrantes alemães, italianos, ucranianos, poloneses e portugueses.
Em dezembro, por conta do calor, algumas famílias param a produção e só retomam em março. Os meses frios do inverno são os mais propícios para a produção chegar a sua capacidade máxima. Nesta época, só o sítio de Cristiano chega a gerar 12 quilos do laticínio artesanal em um único dia.

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A cidade de Major Gercino, onde é produzido o queijo diamante, tem menos de 4 mil moradores. Foto: Remy Simão/Epagri
A cidade de Major Gercino, onde é produzido o queijo diamante, tem menos de 4 mil moradores. Foto: Remy Simão/Epagri
O queijo diamante também marca presença na mesa de seus produtores. Não pode deixar de acompanhar um prato de arroz com feijão, além de enriquecer a polenta quentinha ou o omelete. Quem prefere um sabor mais suave pode armazenar os queijos na geladeira, para frear a fermentação. Muitos clientes também costumam comprar em quantidades grandes e congelar.

O queijo de leite cru

O queijo diamante tem as bordas bem amareladas. Foto: Tiago Dardaeu
O queijo diamante tem as bordas bem amareladas. Foto: Tiago Dardaeu
“Quando o consumidor prova o queijo artesanal de leite cru ele sempre quer voltar a consumi-lo e aumenta cada vez mais sua curiosidade em conhecer novos sabores diante da grande variedade existente no Brasil”, afirma Michelle Carvalho, doutoranda do departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFSC e integrante do movimento Slow Food. A acadêmica, natural de Minas Gerais, explica que o queijo elaborado a partir do leite in natura possui mais personalidade e identidade própria.
Segundo Michelle, o processo de pasteurização acabou padronizando os sabores dos queijos brasileiros, enquanto o movimento Slow Food defende justamente o contrário, a diversidade. “É importante não confundir pasteurização do leite com cozimento da massa. Alguns queijos como coalho, kochkäse e porongo passam por cozimento da massa, mas continuam sendo queijos de leite cru”, acrescenta a cientista de laticínios.
Por mais que ainda haja desconfiança, o queijo de leite cru é seguro para o consumo quando atende a uma série de pré-requisitos. No caso do estado de Minas Gerais, o único do Brasil onde a produção do queijo artesanal a base do leite cru é legalizada, um estudo da Universidade Federal de Viçosa comprovou que, com 22 dias de maturação, o queijo canastra, por exemplo, está apto a ser comercializado.
O Paraná, terceiro maior produtor de leite do país, também está perto de regulamentar a produção e comercialização dos queijos artesanais à base de leite in natura. O projeto de lei de autoria do deputado Professor Lemos (PT), semelhante à atual legislação catarinense, está em tramitação na Assembleia Legislativa e tem grandes chances de ser aprovado.
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