Pessoas
Sem medo de arriscar
“Não toque o que está lá, e sim o que não está”, diz uma das frases mais célebres do trompetista norte-americano Miles Davis. Talvez o gênio do jazz não pudesse imaginar, mas suas palavras alçaram voo para além do campo das partituras. Foram parar na cozinha. E de gente grande: Daniel Humm, chef suíço radicado nos Estados Unidos – um dos responsáveis por elevar a gastronomia yankee a um patamar europeu. Humm tocou o que não estava lá. Na contramão dos grandes restaurantes norte-americanos, investiu na gastronomia contemporânea, minimalista e calcada em alimentos regionais, sobretudo vegetais e legumes. E foi ousado, à la Davis. No primeiro ano de sucesso à frente de seu Eleven Madison Park, em Nova Iorque, fechou as portas e trocou todo o menu. O resultado compensou: hoje, tem em sua coleção três estrelas Michelin, quatro estrelas do New York Times e é o décimo na lista da revista Restaurant. Em sua passagem mais recente pelo Brasil, em novembro, durante a Semana Mesa São Paulo, a reportagem do Bom Gourmet conversou com o chef sobre gastronomia norte-americana.
Os Estados Unidos são a maior potência mundial, mas no campo da alta gastronomia, o país só passou a ser notado há poucos anos. Por quê?
Os EUA são um país jovem. Acho que estão descobrindo aos poucos sua gastronomia. Mas é um grande país. Tem oceanos, florestas, montanhas e até deserto. Tem muito a oferecer do ponto de vista culinário. Por ser jovem, não há grandes tradições em sua cozinha. Mas há gente trabalhando em todos os sentidos: com frutos do mar, agricultura… Eu moro nos EUA há 10 anos e, neste curto período de tempo, vi um crescimento substancial. Os métodos de cozinha deram um salto. A busca por bons ingredientes também.
Mas você não traz nada de fora?
Uso, mas somente se for algo único e essencial. Tenho estudado muito Nova Iorque, seus pratos e sua cultura gastronômica, justamente para criar substitutos para o que não temos aqui. Uso conhaque importado em algumas receitas, mas estou trabalhando no desenvolvimento de uma bebida semelhante. Nosso lema é sempre seguir a sazonalidade e buscar o máximo de elementos das fazendas vizinhas.
Você conseguiu marcas incríveis para um restaurante. Como chegou lá?
Penso que é porque nosso restaurante tem um gostinho de casa. Claro, o serviço, o ambiente, os talheres e tudo mais lembra que você está jantando fora. Mas, a interação dos cozinheiros com os clientes e, principalmente, o alimento, são itens que trazem o conforto do lar. Treinamos nossa equipe para trazer valor humano ao atendimento. Não é uma relação fria entre comensal e restaurante. Por isso, só escolhemos gente que é apaixonada por comida. O resto ensinamos.