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O aumento de apreensões ligadas a fraudes na soja acendem um alerta no agronegócio brasileiro. O crime se concentra nas regiões próximas aos portos. Criminosos inserem materiais como cascas, pedras e areia nas cargas e ainda alteram o peso para inflar os lucros. A fraude compromete a credibilidade das exportações brasileiras.
A Câmara Setorial da Soja, órgão ligado ao governo federal, confirma o recebimento de denúncias de adulteração das cargas de farelo de soja em várias regiões do país e tem repassado os casos para a Polícia Federal (PF). Apreensões recentes pela PF apresentaram índices de 30% de materiais estranhos ao farelo de soja, insumo essencial para a indústria de alimentação, tanto para consumo animal quanto humano.
“A adulteração não é feita no campo, mas no fim da cadeia, durante a exportação”, afirma André Dobashi, engenheiro agrônomo e presidente da Câmara Setorial da Soja no Ministério da Agricultura e Pecuária. “A areia é misturada no transporte ou no armazenamento para aumentar o volume da carga de forma criminosa”, diz.
Pelas regras da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), os exportadores devem seguir os parâmetros oficiais: 1% como base de referência e, no máximo, 2% de materiais estranhos aos grãos. Eles podem ajustar esses valores, desde que não ultrapassem o limite de 2%.
Em nota, a Anec reconheceu que pequenas impurezas podem surgir naturalmente durante a colheita e o processamento. A associação destaca o trabalho conjunto com órgãos de fiscalização e autoridades portuárias para prevenir e coibir práticas de fraudes na soja que possam alterar a composição das cargas.

Paraná, Mato Grosso e Goiás lideram casos de fraude no farelo de soja
Na última terça-feira (17), a Polícia Federal deflagrou duas operações simultâneas para investigar e combater a adulteração de cargas de grãos no país. As ações miram pessoas físicas e jurídicas, no Mato Grosso e no Paraná, suspeitas de participação em um esquema criminoso que compromete a integridade das cadeias produtivas do agronegócio.
Com apoio do Ministério da Agricultura, foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão, em Cuiabá (MT) e em seis cidades paranaenses: Toledo, São José dos Pinhais, Paranaguá, Pontal do Paraná e Morretes. Durante a operação, a PF prendeu uma pessoa em flagrante. Os investigados podem responder por falsificação, fraude no comércio e associação criminosa. O material apreendido, carga suspeita de adulteração, será analisado e poderá subsidiar novas diligências, informa a polícia.
Em maio, a Polícia Civil do Paraná mirou a ação numa quadrilha que adulterava cargas de soja e fertilizantes. O grupo teria causado mais de R$ 15 milhões em prejuízos, com 7 mil toneladas adulteradas. Eles misturavam areia aos grãos e diluíam fertilizantes com calcário e silicato, revendendo o material ilegalmente, apontou a investigação.
A fraude na soja ocorria em armazéns clandestinos, com uso de empresas fantasmas e notas fiscais frias. Motoristas desviavam as cargas e faziam entregas em depósitos ilegais. O esquema impactou diretamente os produtores, que enfrentaram perdas com fertilizantes ineficazes, e afetou a reputação do Brasil no comércio global.
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Fraude na soja pode comprometer Brasil como exportador confiável
O auditor agropecuário do Ministério da Agricultura Fernando Mendes aponta que esse tipo de crime tem o potencial de comprometer a imagem do país como fornecedor seguro e confiável no mercado internacional. “O Ministério da Agricultura tem atuado fortemente na repressão de fraudes na soja. Estamos presentes nas fábricas de farelo de soja, nos exportadores, nos terminais de embarque portuário e na emissão do certificado internacional quando o produto já está embarcado no navio. Qualquer fraude ou falha nos protocolos para atendimento dos requisitos internacionais será objeto de atuação dura por parte do ministério”, acrescenta.
O diretor de operação da empresa Portos do Paraná, Gabriel Vieira, explica que um navio com carga de soja adulterada pode ser reprovado e o prejuízo ser ainda maior, porque outros materiais transportados também perdem acesso ao país de envio. A credibilidade do porto é a garantia de negócios mais lucrativos.
“A quantidade que se exporta é um bom indicativo, mas a qualidade é um diferencial para o porto. Quando o importador sabe que o porto não tem sombra de fraude, o valor negociado por ser maior”, afirma o diretor.

Reprovação no Porto de Paranaguá evidencia fraude na soja
A direção dos Portos do Paraná informa ter identificado indícios de fraude no farelo da soja no início de 2024. Anteriormente, o foco dos criminosos era o furto de cargas. "Em 2022 e 2023 enfrentávamos o problema com as vazadas. As organizações criminosas interceptavam as cargas, com anuência ou não dos motoristas e furtavam os grãos. Esses crimes foram diminuindo, com a ação das forças de segurança, depois surgiu a fraude no farelo", afirma o diretor de operação da empresa Portos do Paraná.
Em 2024, o porto de Paranaguá rejeitou 2.613 caminhões por não atenderem aos padrões mínimos de qualidade. O número representa 1% de todos os veículos que passaram pelo pátio de triagem. As recusas envolveram excesso de umidade e contaminações com folhas, pedras, areia e até serragem. No mesmo ano, o porto de Paranaguá exportou quase 14 milhões de toneladas de soja.
Com um novo protocolo, criado em parceria com o Ministério da Agricultura, o porto intensificou as análises laboratoriais e, entre janeiro e abril de 2025, as recusas caíram quase 30%, totalizando 1.850 veículos. "Percebemos cargas de extrema baixa qualidade ou com matérias estranhas misturadas. Acionamos o Mapa e criamos um protocolo para resolver o problema. Pedimos fiscalização, identificando cada um dos passos da carga, da origem até o pátio do porto. Chegamos a encontrar 80% de areia e 20% farelo de soja em algumas cargas. Desde que adotamos o protocolo as cargas adulteradas diminuíram muito, elas podem ter destino para outros portos", afirma o diretor.
Segundo a PF, o esquema criminoso inclui furto, adulteração, falsidade ideológica, receptação, indução ao erro, lavagem de dinheiro e organização criminosa. As empresas devem descarregar as cargas suspeitas fora da área portuária. A inutilização exige comprovante. No ano passado, equipes levaram 59 caminhões diretamente a aterros sanitários.
Portos de Santos e São Francisco do Sul não registram fraude em cargas de soja
Já na estrutura de Santos (SP), o principal porto brasileiro em números de exportação de soja, não há controle oficial da qualidade feito pela autoridade portuária. A verificação fica a cargo dos terminais privados e das próprias empresas exportadoras.
Entre o início de 2024 e abril de 2025, mais de 3,68 milhões de caminhões circularam por Santos. Ainda assim, não há dados públicos sobre rejeições de carga no local. Mais de 28 milhões de toneladas de soja passaram pelo porto no ano passado.
No porto de São Francisco do Sul (SC), o terceiro em escoamento da soja no Brasil, não houve registro de rejeição de carga, por risco adulteração nos últimos anos, conforme a informação oficial. Pouco mais de 7 milhões de toneladas de soja passaram pelo porto em 2024.
Fraude causa prejuízo em todo o setor produtivo da soja
O problema alcança a lavoura. Produtores que investem em qualidade amargam prejuízos quando seus lotes caem na suspeita. A desconfiança derruba os preços, atrasa pagamentos e, em casos extremos, leva à rejeição total da carga.
Cooperativas e tradings também enfrentam perdas. Cada caminhão reprovado atrasa embarques, compromete contratos e eleva custos com armazenagem, devolução e logística. No mercado externo, o impacto é ainda maior. Importadores como China e União Europeia têm baixa tolerância a impurezas. Exigem rastreabilidade e padrões sanitários rígidos. Ao identificar fraudes, podem impor barreiras, romper contratos e aplicar sanções.
A China tem dado provas de rigor no processo de importação. Em janeiro, por exemplo, o país suspendeu compras de cinco empresas brasileiras. A Administração Geral de Aduanas da China encontrou resíduos de pesticidas acima do permitido em lotes de soja enviados pelo Brasil.
Exportadores de soja adulterada correm risco de processos por quebra contratual ou danos à qualidade. "É como ir ao comércio, comprar um produto estragado em uma loja e falar disso a outros consumidores. O impacto não é apenas no lote adulterado, mas outros compradores podem suspender vendas, por medo de ter prejuízo. A fraude na soja gera insegurança jurídica e instabilidade no mercado", explica o economista Emerson Esteves.
Brasil exportou mais de 50 milhões de toneladas de soja em 2025
Mesmo com os riscos de fraudes e maior fiscalização, o Brasil exportou mais de 98 milhões de toneladas de soja no último ano. A receita ultrapassou US$ 42,9 bilhões. Ainda assim, houve queda de 3,9% em relação a 2023, quando o país embarcou 101,3 milhões de toneladas.
A China seguiu como principal compradora. No ano passado, respondeu por 73,3% das exportações e movimentou mais de US$ 31,5 bilhões. O farelo de soja ganhou destaque. Em 2024, o volume exportado chegou a 22,8 milhões de toneladas, alta de 2,17% na comparação com 2023.
Em 2025, o ritmo continua forte. De janeiro a maio, o Brasil embarcou mais de 50 milhões de toneladas. As vendas renderam mais de US$ 20 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
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