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O acordo firmado entre o deputado federal André Janones (Avante-MG) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) livrou o parlamentar de um processo criminal por peculato pela prática de “rachadinha” e voltou a levantar questionamentos sobre a legislação que tem beneficiado políticos investigados em caso de corrupção.
O acordo de não persecução penal (ANPP) é uma medida que prevê o atendimento de requisitos legais em troca do benefício para infratores que confessam crimes menores com reparação às vítimas. O instrumento tem sido criticado sob o argumento de incentivar a impunidade e de possibilitar a manutenção do cargo público até a reeleição de acusados que confessaram a prática de corrupção.
Depois do caso Janones, que teve acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com reparação de R$ 157,8 mil à Câmara dos Deputados, o senador Sergio Moro (União-PR) apresentou um projeto de lei que prevê a renúncia a cargo ou função pública e proibição de exercício pelo período de cinco anos para os beneficiados pelos acordos.
Antes do caso Janones, que admitiu ter utilizado, entre 2019 e 2020, um cartão de crédito em nome de um assessor para custear despesas pessoais, Moro fez críticas públicas ao ex-presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Ademar Traiano (PSD-PR). O deputado estadual foi beneficiado por um acordo firmado com o Ministério Público do Paraná e homologado pela Justiça.
Após a confissão de recebimento de propina e ressarcimento aos cofres públicos, o parlamentar paranaense permaneceu por cerca de um ano no comando do Legislativo estadual, até ser eleito pelos pares como presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), considerada a mais importante da Casa.
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Moro antecipa resistência por “ambiente hostil” ao combate à corrupção
No projeto de lei, que altera o artigo 28-A do Código Penal, Moro afirma que os casos de Janones e Traiano “geraram ampla indignação popular e a aspiração de reforma da lei” com necessidade de correção da “falha não prevista inicialmente” na legislação.
O senador prevê dificuldades no avanço do projeto de lei no Congresso Nacional. “O ambiente atual no país é um pouco hostil ao combate à corrupção e ao maior rigor da lei. Podemos ter dificuldades, mas vamos trabalhar intensamente pela tramitação.”
Em entrevista à Gazeta do Povo, o ex-juiz da operação Lava Jato comentou que o parâmetro é que o ANPP seja direcionado para crimes leves - no entanto, o instrumento tem sido utilizado para os crimes contra a administração pública. Por esse motivo, o senador defende uma alteração na lei para inclusão da renúncia obrigatória entre os requisitos previstos para a homologação do acordo. O ANPP foi introduzido no Código de Processo Penal pelo “Pacote Anticrime”, em 2019, durante a gestão de Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (PL).
O ambiente atual no país é um pouco hostil ao combate à corrupção e ao maior rigor da lei.
Senador Sergio Moro (União-PR)
“Como é que a sociedade fica com um parlamentar que, na prática, traiu o representado? É premissa básica de qualquer democracia que o representante atue pelo bem comum. Mas como ele pode continuar no cargo após confessar que recebeu propina ou que se apropriou de vencimentos de assessores? Não existe condição moral de prosseguir no mandato”, avalia o senador.
Moro explicou que, no caso da colaboração premiada, o delator fornece informações para o aprofundamento da investigação, além de o acordo manter a condenação criminal, diferente do ANPP. “No nosso entendimento, o Ministério Público já poderia exigir a renúncia do cargo. Isso não foi feito no caso do Janones e no caso do Traiano. Então, vamos colocar essa condição como obrigatória”, afirmou.
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Parlamentares que fizeram acordos estão aptos a disputar eleições 2026
Advogado criminalista e professor de Direito Penal, Marcelo Lebre explicou que o crime de corrupção ativa ou passiva não se enquadra no conceito de “crime de menor potencial ofensivo”, conforme o Código Penal. No entanto, ele ressalta que o acordo de não persecução penal, o ANPP, não é um instrumento jurídico voltado para crimes de menor potencial e sim, para os casos que se enquadram nos requisitos legais, como crimes sem violência ou ameaça grave com pena mínima de quatro anos.
“O ANPP surgiu na legislação brasileira com a grande reforma propiciada pela Lei nº 13.964/2019, o conhecido ‘Pacote Anticrime’, que foi idealizado pelo hoje senador Sérgio Moro. E de acordo com aquilo que foi expressamente previsto pela referida legislação, não há empecilhos diretos para que os acordos sejam celebrados em casos nos quais se apura crimes de corrupção”, esclarece o especialista.
Lebre comenta que após acordo com a acusação “não há que se falar em condenação”, pois o ANPP mantém o status de primariedade e de bons antecedentes. Assim, os parlamentares beneficiados podem voltar a disputar as eleições em 2026. Segundo ele, o investigado fica impedido de fazer um novo acordo pelo prazo de cinco anos, caso venha a ser novamente processado pela prática de outro crime.
“Por isso, os empecilhos legais firmados na Lei da Ficha Limpa não seriam aplicáveis. Ou seja, o indivíduo que firmou um ANPP com a acusação poderia perfeitamente disputar as eleições, pois não se enquadra na hipótese legal de 'ficha suja'”, explica.
O advogado ainda aponta que o ANPP foi pensado para reduzir os custos – econômicos e temporais – dos processos criminais, criando um meio termo entre a condenação e a absolvição. “Por isso, há severos críticos e, ao mesmo tempo, aguerridos defensores. A atual jurisprudência das Cortes Superiores [STJ e STF] vem reconhecendo não apenas a legalidade e a constitucionalidade do instituto [ANPP], como também sua importância para desafogar o judiciário, propiciando um resultado jurídico eficaz”, analisa.
Absolvido com aval de Boulos, Janones volta a ser denunciado após acordo
O Partido Liberal (PL) protocolou uma representação por quebra de decoro parlamentar contra Janones com base nas informações do acordo firmado entre o parlamentar e a PGR. Segundo a denúncia assinada pelo presidente nacional da sigla, Valdemar Costa Neto, o deputado federal do Avante mentiu durante a defesa no Conselho de Ética sobre o esquema de “rachadinha”, o qual foi admitido durante as tratativas do acordo entre Janones e o Ministério Público.
Sob relatoria do deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), que deu parecer contra a cassação do parlamentar, o Conselho de Ética arquivou a denúncia contra Janones por 12 votos a 5, em junho de 2024. Na nova representação, o PL ainda acusa Janones pela tentativa de institucionalizar uma “vaquinha” entre os servidores do gabinete para pagamento de vantagens pessoais e gastos eleitorais com recursos provenientes dos salários dos assessores.
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