Os frequentes desastres naturais provocaram prejuízos de R$ 2,6 bilhões na indústria catarinense no acumulado dos últimos 32 anos. A cifra representa 24% do total de impacto no setor nacional e coloca Santa Catarina no topo do ranking. Em seguida aparece o estado do Espírito Santo, que registra metade dos prejuízos de Santa Catarina. Os dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil constam em documento da Agenda da Água, programa que será lançado pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) nesta terça-feira (7).
O relatório, cujos estudos e proposições a reportagem da Gazeta do Povo teve acesso com exclusividade, mostra que a cadeia produtiva da indústria foi afetada, principalmente, por alagamentos, chuvas intensas, enxurradas e inundações. Entre os prejuízos contabilizados de 1991 a 2022 estão falta de suprimento de energia a preços competitivos, risco de desabastecimento de água, danos a seus ativos, além do aumento de custos com apólices de seguros. Em todo o Brasil, os impactos na indústria somam quase R$ 11 bilhões.
“Para atenuar essa situação e gerar novas oportunidades, é necessário promover a incorporação do gerenciamento de risco climático no planejamento estratégico das empresas. Esse processo deve se dar pela elaboração de planos empresariais de adaptação à mudança do clima, o que permitirá, à cadeia produtiva da indústria, minimizar as perdas econômicas potenciais, aumentar sua competitividade e desenvolver novos produtos e serviços mais resilientes ao clima”, destaca o relatório da Agenda da Água, que propõe discutir o tema para a construção das diretrizes de uma política de estado visando a gestão sustentável dos recursos hídricos no estado catarinense.
A Fiesc ressalta, ainda, que os impactos na indústria variam de acordo com o setor, a região do país e o porte das empresas. Setores mais sensíveis a essas mudanças são aqueles que dependem mais do uso da água e energia, localizados em regiões geográficas mais expostas, como costeiras e locais sujeitos a inundações ou deslizamentos de terra, e os dependentes de infraestruturas cuja operação e manutenção sejam de responsabilidade de terceiros.
Em outros setores, desastres causam prejuízos de R$ 32,5 bi em SC
Dois fatores potencializam desastres naturais no estado de Santa Catarina, como enchentes, enxurradas, inundações, movimento de massa, rompimento e colapso de barragens, estiagem e seca, conforme o Atlas Geográfico de Santa Catarina. O primeiro deles se refere às declividades superiores a 30% em grande parte do território, o que levou à ocupação urbana preferencialmente nas áreas de vales. Em segundo, aponta-se que os rios apresentam regime de vazões vinculado aos índices pluviométricos. Com isso, na época de chuva intensas, os fundos de vale, onde se concentram as aglomerações, sofrem influência dos volumes de águas afluentes e provocam as cheias, consideradas um dos principais problemas enfrentados pela população.
De acordo com o Atlas Digital de Desastres no Brasil (2023), em 32 anos Santa Catarina registrou 6.560 ocorrências, com 311 óbitos e 1,1 milhão de desabrigados e desalojados - sendo que 46% das ocorrências foram contabilizadas na última década. Fora a indústria, os prejuízos somam outros 32,5 bilhões em Santa Catarina, o sexto estado que mais registrou perdas, atrás de Rio Grande do Sul (R$ 92 bilhões), Minas Gerais (R$ 52 bilhões), Bahia (R$ 42 bilhões), Paraná (R$ 40 bilhões) e Pernambuco (R$ 33 bilhões).
Para além da indústria, Agenda da Água analisa impactos climáticos em diversas frentes
A Agenda da Água analisa os impactos das mudanças climáticas nos seguintes pilares: suprimento, qualidade, falta e excesso de água, além do uso da indústria. O programa é uma agenda propositiva e dinâmica, para obter contribuições da sociedade e de organismos relacionados ao tema para a construção das diretrizes de uma política de estado visando a gestão sustentável dos recursos hídricos em Santa Catarina.
1. Suprimento da água
Esse pilar apresenta recursos de água de Santa Catarina, disponíveis nas 10 regiões hídricas do estado. Segundo o Plano Estadual de Recursos Hídricos de Santa Catarina, em 2027, todas essas regiões estarão com o balanço hídrico de crítico a insustentável. Apesar disso, Santa Catarina é o sétimo estado na posição do ranking de atendimento urbano de água (98,35%), acima da média nacional, de 93,46%. A lista é liderada pelo Paraná (99,97%).
O documento também analisa as perdas de água, que podem acontecer de duas formas. As perdas físicas incluem toda água que fica pelo caminho no percurso entre as estações de tratamento e as torneiras dos moradores, como rompimentos de canos, vazamentos em tubulações e reservatórios e somam 34,06%. Já as perdas comerciais representam a água que chega a ser consumida, mas que não gera receita para a companhia, que são os casos dos “gatos”, erros na medição, fraudes no uso de água. Isso representa 25,74%. Santa Catarina é o quarto estado na posição do ranking que possui o menor índice de perdas de água, estando em melhor posição do que a média nacional (40,25%).
Para a questão de suprimento de água, a Fiesc propõe algumas medidas:
- Privilegiar o uso de água superficial.
- Uso sustentável das águas subterrâneas (Aquífero Guarani) considerando manter os aspectos quanti-qualitativo.
- Redução das perdas de água no sistema de abastecimento de água.
- Estimular o consumo consciente nas cidades.
- Construção de açudes e cisternas.
- Investir em tecnologias para uso eficiente da água, considerando o aproveitamento de água das chuvas, reuso de efluentes, redução no consumo.
- Incentivar o reuso de efluentes de indústria para indústria.
- Incentivos fiscais para o reuso de efluentes.
2. Qualidade da água
A Fiesc analisa também o impacto do saneamento básico em diversos setores do estado catarinense. Na educação, há um aumento, em média, de até 66,1% dos anos de escolaridade em grupos que têm acesso a saneamento em comparação aos que não tem. De acordo com o estudo "Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro", do Instituto Trata Brasil (2022), sem saneamento, a escolaridade média em Santa Catarina é de 5,9 anos. Com saneamento, passa para 9,8 anos.
Em relação à saúde, a escassez do tratamento de água e da coleta e tratamento de esgoto impactam, principalmente, a qualidade de vida e a saúde da população, com aumento de doenças. O Painel Saneamento Brasil (2023) aponta que, em 2021, houve 2.769 internações por doenças de veiculação hídrica em Santa Catarina. A Organização Mundial da Saúde (OMS) ressalta que cada R$ 1 investido em saneamento gera economia de R$ 4 em saúde.
A falta de saneamento também impacta no mercado de trabalho. “Isto se dá pelo fato de que a produtividade está ligada à saúde e bem-estar da força produtiva, bem como ao preparo de profissionais via educação, a longo prazo”, destaca o relatório. O estudo "Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro", do Instituto Trata Brasil (2022), aponta que trabalhadores sem saneamento ganham cerca de 3,46 vezes menos do que os com acesso ao saneamento em Santa Catarina. Além disso, a pesquisa mostra que as operações de saneamento sustentaram um total de 12.669 empregos e geraram R$ 2,454 bilhões de renda na economia catarinense por ano ao longo de 2005 a 2019.
Para universalizar o saneamento, Santa Catarina precisaria investir cerca de R$ 6,4 bilhões nos próximos 33 anos; recursos capazes de incorporar quase 2,5 milhões de pessoas no sistema de distribuição de água tratada e cerca de 6,3 milhões de pessoas no sistema de coleta de esgoto, segundo o Trata Brasil. O acesso ao saneamento básico pode gerar benefícios econômicos significativos ao estado, como aumento da produtividade do trabalho e valorização imobiliária. Com isso, Santa Catarina pode ganhar R$ 23,9 bilhões até 2055, se universalizar os serviços de água, coleta e tratamento de esgoto.
As propostas para melhorar a qualidade da água são:
- Incentivo às concessões privadas e parcerias público-privadas.
- Estímulo à linhas de crédito.
- Fortalecer a Vigilância Sanitária para potencializar a fiscalização de ligações irregulares.
- Santa Catarina necessita investir R$ 6,4 bilhões nos próximos 33 anos, para atingir a universalização do saneamento.
Fonte: Trata Brasil
3. A falta de água
O relatório destaca a seca histórica no estado, em 2022, quando 42% das cidades decretaram emergência devido à seca. As regiões mais afetadas foram extremo-oeste, oeste e meio-oeste catarinenses. Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), em dezembro (2021), janeiro (2022) e fevereiro (2022), a média atual de precipitações variou entre 30 e 40 milímetros, sendo que o esperado seria em torno de 150 mm.
A região do oeste é um polo econômico importante para o estado, principalmente nos setores de alimentos, móveis, madeiras, máquinas e equipamentos e plásticos. Além disso, é uma via de acesso importante para escoamento da produção e do turismo. Na região estão instalados cerca de 45,7 mil estabelecimentos (setores industrial, comercial, serviços e agropecuário) que empregam juntos mais de 428 mil trabalhadores, com população aproximada de 1,4 milhão. A região, em 2022, gerou R$ 9,09 bilhões de tributos federais, R$ 2,2 bilhões em arrecadação de ICMS e um PIB de R$ 61,3 bilhões.
As propostas para amenizar a seca são:
- Manter a cobertura vegetal.
- Gestão eficiente e participativa dos recursos hídricos.
- Valorização dos Comitês de Bacia.
- Proteção de nascentes, fontes e mata ciliar.
- Incentivo ao pagamento por serviços ambientais.
- Conscientização e educação ambiental.
4. Excesso de água
Nesta parte são apresentados os prejuízos provocados por desastres naturais, principalmente enchentes. Como citado na reportagem, Santa Catarina lidera no ranking de prejuízos na indústria devido a esses fenômenos. Além disso, é o sexto colocado em prejuízos totais decorrentes de desastres naturais.
Em outubro, 142 cidades catarinenses registraram ocorrências devido à chuva, com 112 decretando situação de emergência. O estado tem R$ 499,4 milhões em obras para controlar enchentes, sendo que 11% delas estão com prazo expirado e 20% com andamento comprometido.
Confira as propostas para reduzir as enchentes:
- Avaliação da capacidade atual das barragens existentes e, caso necessário, redimensionamento ou construção de novas estão mais eficiente da operação das atuais barragens, considerando o equacionamento de possível inundação de comunidades ribeirinhas e indígenas.
- Execução das obras sugeridas pelo programa da agência japonesa Jica, elaborado após os desastres de 2008 e 2011.
- Dragagem do Rio Itajaí-Açu.
- Investir em infraestrutura de drenagem.
- Aumentar o orçamento da Defesa Civil.
- Desenvolver um Plano Estadual de Adaptação para as Mudanças Climáticas.
- Avaliar os sistemas de macrodrenagem urbanas.
- Plano Estadual de Adaptação para as Mudanças do Clima específico para Rodovias, considerando os pontos mais críticos, de maior demanda.
5. Indústria
O último pilar é o consumo de água pela indústria: para 2023, segundo o Plano Estadual de Recursos Hídricos de Santa Catarina (2017), estima-se que a vazão de retirada seja de aproximadamente 143 m³/s, da qual o uso industrial corresponde a 39% (56m³/s) da demanda. Em 2027, a expectativa é de que o setor industrial se consolide como o maior usuário de recursos hídricos de Santa Catarina, correspondendo a 54% (113m³/s). Proposições para reduzir consumo de água pela indústria:
- Participação das indústrias nos Comitês de Bacia.
- Implementação das Estratégias para a Adaptação (planos de contingência).
- Gestão Estratégica e Sustentável: redução do consumo de água; reutilização de água; reciclagem de nutrientes; gestão integrada de recursos hídricos.
- Aplicação na indústria do Plano de Adaptação Climática: Indústria Resiliente.
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