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Orquestra Jobim Jazz: música de Tom continua viva após 20 anos de sua partida | Cristina Granato/Divulgação
Orquestra Jobim Jazz: música de Tom continua viva após 20 anos de sua partida| Foto: Cristina Granato/Divulgação

Noite de quinta-feira, 26 de junho, o Rio de Janeiro em clima de Copa. Vou ouvir pela primeira vez a orquestra Jobim Jazz, num local mais do que apropriado: o Espaço Tom Jobim, uma das mais simpáticas salas da cidade, instalada na antiga construção onde ficavam os centros de pesquisa do Jardim Botânico. Tudo a ver: Jobim, Jazz e o Jardim, onde Tom passou momentos marcantes meditando em compasso com a natureza e compondo mentalmente uma boa parte da sua música. Com muita insistência, convenço minha filha de 28 anos, Natasha, a me acompanhar. Sei que Jobim não passa pelo seu iPod; talvez apareça episodicamente na voz de Sinatra, uma das raras exceções que ela abre ao repertório do século passado.

A Jobim Jazz é um projeto do violonista, arranjador e compositor Mário Adnet, uma orquestra de treze figuras com predominância de sopros. Adnet concretizou esse sonho quase impossível "depois de me debruçar por quase seis anos sobre a obra do maestro Moacir Santos, um grande compositor e especialista em arranjo de sopros, que me ensinou muito sobre essa arte." O primeiro CD da banda foi gravado em agosto de 2006, coincidentemente um dia depois da morte de Moacir Santos. Quando ouviu o álbum, Paulo Jobim, filho de Tom, exclamou: "Esse disco parece com o primeiro que aprendi a botar na vitrola quando tinha quatro anos de idade e que ‘furou’ de tanto tocar. O Tentet do Gerry Mulligan..." (Remete também a Birth of the Cool, do noneto de Miles Davis, uma série de gravações da virada dos anos 40/50.) O som sofisticado da Jobim Jazz se deve, em grande parte, aos naipes de metais (trompa, trombone, trompete) e sopros (sax alto, sax barítono e dois sax tenores que alternam nas flautas). O pianista Marcos Nimrichter também incursiona no acordeão, que explora bem as harmonias da bossa. A "cozinha", além de baixo e bateria, inclui um percussionista. Os solos de guitarra ficam com o consagrado Ricardo Silveira e, na ausência de Mário, sua filha Antônia Adnet toca violão e comanda a orquestra. (Mário Adnet estava em excursão pelo Japão com a cantora Lisa Ono.)

Repertório

Um lance-surpresa: Antônia – toda relax, ela conduz a banda admiravelmente – chama para uma "canja" o genial guitarrista Leonardo Amuedo: o uruguaio é saudado pela plateia com os gritos de "Luizito Suárez!..." O repertório flui como o nado do "Boto", como a prancha de "Surfboard", como a asa delta de "Paulo Voo Livre". Muitos dos temas são da fase instrumental de Jobim nos anos 70, quando gravava nos Estados Unidos com arranjos de Claus Ogerman ou de Eumir Deodato: "Rancho nas Nuvens", segundo Tom "um rancho ideal que escapa à poluição," do LP obra-prima Matita Perê; "Sue Ann", um bolero acariocado que Jobim compôs para sua única trilha sonora hollywoodiana; "Quebra Pedra", do quinto disco solo de Tom nos EUA; "Tema Jazz", única citação explícita ao jazz em sua obra. "Domingo Sincopado" é uma rara parceria de Jobim com Luiz Bonfá em 1956, época em que pescavam juntos e Tom carregava a tralha pesada para que Bonfá não machucasse seus "dedos do violão".

Olho para minha filha, que está gostando, mas pergunta: "Não tem nenhuma música conhecida?" Como resposta, a Jobim Jazz embarca numa "Wave" magistral, seguida de "Samba de Maria Luiza" e "Só Danço Samba". O show está chegando ao fim, a orquestra toca alguns compassos de "Rhapsody in Blue", de George Gershwin, que introduzem o "Samba do Avião", aquele que em sua letra diz: "Cristo Redentor/ Braços abertos sobre a Guanabara/ Este samba é só porque/ Rio eu gosto de você." Explico a Natasha que uma deputada propôs que a canção fosse tocada em todos os aviões no momento da aterrissagem nos aeroportos do Rio, mas o projeto não foi aprovado. E falo da relação de Tom com o Galeão, citado na letra. Numa fase de desânimo, o compositor-frasista sentenciou: "A única saída da música brasileira é o Galeão..." Merecidamente, o aeroporto acabou batizado com o seu nome.

Saímos do Espaço Tom Jobim e respiramos o oxigênio puro do Jardim Botânico (sempre três ou quatro graus abaixo da temperatura exterior), suas palmeiras imperiais perfiladas e, acima delas, dramaticamente próxima e iluminada, a estátua do Cristo Redentor no Corcovado, saudada numa das canções mais conhecidas de Tom, que, em inglês, se chamou "Quiet Nights of Quiet Stars" ("Quiet chords from my guitar/ Floating on the silence that surrounds us..."), ou seja: "Noites quietas de estrelas quietas/ Acordes quietos de meu violão/ Flutuando no silêncio que nos cerca."

Este silêncio que nos cerca aqui parece uma composição de Jobim. E, nos vinte anos desde que ele nos deixou, sua música é uma presença cada vez mais forte em nossos ouvidos e em nossos corações.

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