• Carregando...
 |
| Foto:

Lançamento

Zero Zero Zero.

Roberto Saviano. Tradução de Marcello Lino. Cia. das Letras, 408 págs., R$ 38. Livro-reportagem.

Na Itália e na América do Sul, duas das regiões em que se consomem mais farinha de trigo no mundo, a pureza da matéria-prima do pão e do espaguete de cada dia é medida em zeros: quanto mais zeros, mais pura a farinha.

O pó de melhor qualidade do mercado, e também o mais caro, é o denominado 000. Entre a máfia italiana, e a partir dela, em todo o submundo europeu, esta classificação virou gíria para a cocaína mais pura e mais cara possível.

Zero Zero Zero também é o título da mais recente obra do escritor italiano Roberto Saviano, recém-lançado no Brasil. O livro traça um painel global impressionante da onipresença da indústria da cocaína mas mais importantes praças comerciais do mundo.

E também revela, com detalhes de quem conhece por dentro o riscado, como os grandes narcocapitalistas impõem suas regras e códigos, influenciam a agenda política e financiam diversos ramos de atividades, lícitas ou não, no mundo globalizado. O pó, segundo Saviano, é de longe o negócio mais rentável do mundo. E a demanda por seu uso cresce exponencialmente, tornando inglório e inútil o combate às drogas.

Saviano é um autor com a cabeça a prêmio. Desde 2006, quando publicou Gomorra, o romance-reportagem em que revelou os intestinos do crime organizado italiano, o escritor e jornalista foi jurado de morte pelas máfias calabresa e napolitana.

O mesmo livro que o fez ganhar inúmeros prêmios, muito dinheiro e foi posteriormente adaptado com grande sucesso para o cinema, também lhe obriga a viver clandestino e sob escolta permanente desde então.

Saviano costuma dizer em entrevistas que se arrepende de ter lançado seu primeiro livro, mas que agora é tarde demais para recuar. "Tornei-me um monstro... Quando você insere tudo no universo de sentido que construiu observando os poderes do narcotráfico. Quando tudo parece só fazer sentido do outro lado, no abismo. Você vira um monstro. Berra, sussurra grita suas verdades com medo do que, do contrário, elas desapareçam", escreve.

Globalização

A vigilância cerrada o fez ganhar intimidade com as polícias e outros institutos de inteligência com que passou a conviver ao redor do mundo. Foi assim que ele garimpou os dados e as informações privilegiadas que lhe permitiram escrever Zero Zero Zero.

O livro, cuja narrativa outra vez mescla reportagem a alguma ficção, mapeia todas as principais rotas de produção, distribuição e consumo do pó no mundo. Começa pela história da formação dos violentos cartéis mexicanos que atualmente dão as cartas do negócio.

A viagem segue pelas selvas da Colômbia e mostra como o país deixou de ser a "nação branca" das décadas de 1980 e 1990, mas segue como um dos maiores produtores da coca e totalmente dependentes do produto. Saviano revela os sofisticados esquemas de distribuição da droga na Europa e se detém com minúcia no papel estratégico do Brasil na geografia do tráfico internacional.

Segundo maior consumidor do mundo, o Brasil, além de rota obrigatória para escoar cocaína pelo Oceano Atlântico, também é o principal fornecedor de insumos (querosene, acetona e outros) fundamentais para o refino da droga nas vizinhas Colômbia e Bolívia.

Ao final, Saviano demonstra de forma contundente como este negócio sangrento e trilionário se associa, direta ou indiretamente, a cada um de nós. "O prefeito com quem você foi jantar, cheira. O construtor da casa em que você mora, o escritor que você lê antes de dormir, a jornalista que você vai ver no telejornal. Se você acha que nenhuma dessas pessoas cheira, ou é incapaz de ver, ou está mentindo. Ou, simplesmente, quem cheira é você", afirma em trecho do livro. GGGG

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]