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A ceramista Alice Yamamura ( a primeira a partir da direita, com alunos em seu ateliê) morreu na última sexta-feira, em Curitiba | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
A ceramista Alice Yamamura ( a primeira a partir da direita, com alunos em seu ateliê) morreu na última sexta-feira, em Curitiba| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A ceramista Alice Yamamura – que morreu na última sexta-feira, em Curitiba – era (também) a artista dos corações. Para todos que achavam o coração uma figura muito simples, óbvia ou duvidosa, Alice, que não precisava provar nada, mostrou o quanto se podia fazer com as duas curvas, uma para a direita e outra para a esquerda, que uma criança pode fazer com facilidade. Ela fez peças em cerâmica, às muitas dezenas, algumas grandes como imensas frutas, outras menores, vermelhas, douradas, brancas, do tamanho de ... corações. Houve brancas, em diversos materiais, como o mármore e também algumas médias, em que a artista deixou gravada sua mão. Os corações inflados de Alice encheram o MAC, subiram as paredes, estão em muitos lares.

Pelo ateliê da artista, passaram muitos outros artistas, alunos, amigos, seguidores. Sempre foi muito bonito ver, em frente ao Parque São Lorenço, a casa cheia – antes casa que ateliê – a cada queima, uma festividade, um mescla de religião, arte, ritual da amizade, uma devoção ao fazer cerâmico, à influência de Alice, às possibilidades de um encontro consigo mesmo. O mundo de Alice de fato era encantado: artista premiada e reconhecida (mesmo pelos que torcem o nariz para tudo que não seja conceitual), traçou o caminho de tantos outros, premiados também, e que hoje podem dar seqüência ao seu trabalho encantatório.

Alice era única, com os vestidos brancos em algodão ("combinações", como se dizia), o cabelo assimétrico, o corpo pequeno, um sorriso que se perpetuava em suas criações e que atravessou sempre as piores crises, até mesmo quando justamente o que ela fazia melhor precisou ficar em suspenso. Ela deixa um companheiro abismado, Gerson, uma família emudecida pela surpresa da morte, os amigos perplexos. De fato, vivemos uma grande perplexidade, dessas que médicos, cientistas, poetas, religiosos não podem explicar.

Hoje pela manhã, toquei em uma de suas peças sobre a mesa, um coração dourado. Ele balançou durante alguns minutos e foi parando lentamente. Assim, Alice Yamamura nos deixa: em silêncio, sutilmente, uma grande dama.

Benedito Costa Neto é professor de Literatura.

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