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Uma música sem voz, pautada exclusivamente nos instrumentos que a constroem. Desafio para seus autores, que preenchem o vazio com arranjos que tornam o canto desnecessário, supérfluo. Interessante para o público que, ao perder seu fio condutor, tem a possibilidade de imergir de maneira única em um emaranhado significativo de notas e acordes.

A música instrumental brasileira – que tem nos ícones Heitor Villa-Lobos (1887-1959), Guerra-Peixe (1914-1993) e nos atuais Léo Gandelman e Egberto Gismonti alguns de seus maiores expoentes – vive uma fase em que pululam novos artistas, recriando o gênero de diferentes formas. Ao mesmo tempo, grandes nomes dessa música no Paraná e no Brasil procuram métodos e motivação para continuar produzindo e, principalmente, novos espaços onde mostrar seu trabalho.

Ainda em 1960, Mário da Silva empunhava seu violão e fazia serestas pelas ruas de Curitiba. Pessoas reuniram-se em sua casa para ouvir dedilhados à moda caipira ou discutir a bossa nova, estilo emergente.

Hoje professor de violão da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e mestre em música brasileira pela UniRio, Silva não sabia os caminhos teóricos da música, mas já dominava a arte: tinha boas referências na época e acabou sendo um instrumento da própria música instrumental. "Lá pelos anos 1970, começou a surgir algo diferente. Tinha o [Egberto] Gismonti, o [Hermeto] Pascoal, que despertaram interesse até na Europa e nos Estados Unidos. Essa época foi uma ascensão de uma música popular brasileira, que passou a ter um conteúdo indiscutível", disse o professor, hoje com 46 anos.

Qual o impulso para fazer esse tipo de música? Como um solitário violão pode silenciar toda uma platéia? A resposta são as possibilidades dos próprios instrumentos. "O violão, por exemplo, é metaforizador dos agentes culturais. Ele não é elemento próprio do show biz, seu som não atinge um público enorme, mas carrega um leque de possibilidades artísticas muito grande", disse Silva, que gravou cinco CDs do gênero.

Sem o apoio da palavra cantada, a música instrumental torna-se subjetiva, causando diferentes reações em quem a ouve. Um pedaço melódico que passa despercebido por muitos pode causar inquietação inexplicável em outros. Esses são outros dos segredos dos instrumentos. "As letras de música que escutamos por aí entram facilmente pelos nossos ouvidos. Elas formam um inconsciente coletivo, como uma novela que só trata de generalidades," relata o músico, que diz se inspirar em passagens da infância para fazer algumas de suas canções.

Difusão e futuro

Nos anos 1960 e 70 época em que o flautista carioca Altamiro Carrilho – um dos maiores nomes do choro no Brasil – se apresentava na Europa, um paranaense chamado Waltel Branco fazia história ao tocar seu violão ao lado de Charles Mariano, Sam Noto, Dizzy Gillespie e Max Bennet. Na década de 80, eram vários os festivais de música na cidade. E, já no aquecimento, reuniões entre músicos, que apresentavam novidades ou simplesmente tocavam, sem compromisso. E hoje?

"Ah, hoje está ruim. A música faz parte da minha vida, mas fui parando, tocando cada vez menos. Hoje eu toco mais porque preciso e menos porque gosto", revelou Waltel Branco, cheio de desalento. O músico de 79 anos – que teve o maestro Bento Mussurunga como mestre – estava em Laranjeiras do Sul (PR) trabalhando pelo projeto educacional Fera, promovido pelo governo do Estado, quando falou com a reportagem.

O coro é reforçado nacionalmente pelo arranjador e trombonista carioca Vittor Santos. O músico, de 43 anos, tocou com a Orquestra à Base Sopro do Paraná por duas vezes em 2008.

"Há uma mistura que vem da superficialidade do ser humano. Os 'poderosos' das indústrias fonográficas com suas possibilidades de articulações e o público em geral, com sua falta de disposição para buscar o que é verdadeiro, geram uma mistura nada interessante. É uma questão que vai além da música", comentou.

De acordo com a gravadora Biscoito Fino, 30% de toda a sua produção é dedicada à música instrumental brasileira. Grande parte dos discos é exportada para 23 países, motivo pelo qual muitas vezes artistas tupiniquins são mais reconhecidos fora do seu país. "Sem dúvida, os povos de línguas estrangeiras apreciam a manifestação da abordagem artística de músicos do Brasil. O interesse do brasileiro – seja ele músico ou não – pela sua música, é equivalente a sua compreensão dos valores de agregação da própria personalidade dessa produção. Talvez por isso o Villa-Lobos gostava de ser chamado de nacionalista", explicou Santos.

Enquanto ícones do gênero desanimam-se com a cena, outros candidatos surgem para substituí-los. Sejam músicos do Paraná, como Marcelo Oliveira, Glauco Solter e Sérgio Albach, de outros estados, como Benjamin Taubkin e Léa Freire, além de bandas como os paulistas do Hurtmold ou os pernambucanos da Spok Frevo Orquestra. A música instrumental, ainda que lute contra a falta de divulgação de seu trabalho, tem em novos nomes e em espaços exclusivos o caminho para se recriar e continuar a dialogar com seu público sem pronunciar uma só palavra.

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