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Um filme sobre sexo que excita o intelecto. Assim pode ser descrito o ótimo Kinsey – Vamos Falar sobre Sexo, longa-metragem de Bill Condon que está chegando às locadoras brasileiras. Cinebiografia do pesquisador Alfred C. Kinsey, primeiro cientista a se propor o desafio de mapear a sexualidade dos norte-americanos, a produção acerta em vários níveis: disseca com raro detalhismo a personalidade complexa do sexólogo; discute com humor e inteligência o imaginário dos estadunidenses em relação a assuntos de alcova; e, de quebra, faz com que os espectadores possam refletir sobre a própria intimidade.

Vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado por Deuses e Monstros, pequena jóia cinematográfica sobre James Whale, diretor da primeira adaptação para o cinema do clássico Frankenstein, Condon se apropria da vida de Kinsey com conhecimento de causa. Utiliza-se de um misto original de sensibilidade, humor e ironia para mostrar como o filho tímido de um rígido e opressor pastor protestante (John Lithgow, em grande forma) busca, por meio da ciência, se livrar das amarras morais e psicológicas que o impedem de ser um homem pleno e consciente de seus desejos.

Liam Neeson, ator irlandês mais freqüentemente identificado por seus personagens de perfil heróico, empresta a Kinsey uma fragilidade que faz toda a diferença. Consegue não apenas compor a figura de um cientista genial e dedicado, mas um homem com instintos represados, capaz de se revelar sensual por baixo de sua armadura acadêmica. O desempenho de Neeson, entretanto, não teria ido tão longe não fosse o suporte luxuoso da brilhante atuação de Laura Linney no papel de Clara, a instigante mulher de Kinsey, com quem o sexólogo vive algumas das experiências mais reveladoras de sua trajetória de vida.

A capacidade de mesclar, em doses equilibradas, humor e delicadeza é especialmente evidente nas seqüências que tratam das dificuldades sexuais enfrentadas pelo casal Kinsey no pós-matrimônio, uma vez que ambos tinham parcas noções de como desfrutar das inúmeras possibilidades que seus corpos lhes poderiam proporcionar.

Kinsey – Vamos Falar de Sexo, contudo, não é um filme que se restrinje apenas ao âmbito privado da vida de seu protagonista. Muito pelo contrário. É, sobretudo, um filme sobre ciência – e sua importância – na luta contra tabus limitadores e restritivos, que impedem as pessoas de serem felizes. O roteiro inteligente e provocativo de Condon consegue explorar um território que poderia ser árido, dando-lhe agilidade. Exemplo disso é a forma como o cineasta mostra o longo trabalho de pesquisa quantitativa empreendida pela equipe de Kinsey através do país. É particularmente inspirada a colagem de rostos e depoimentos, que se contrapõem, complementam e ajudam o cientista a construir seu discurso libertário.

Embora passe boa parte de suas quase duas horas de projeção discutindo repressão, Kinsey consegue ser, também, um filme erótico, que brinca com as fantasias do espectador. Ao colocar seus protagonistas e coadjuvantes – especialmente o assistente de Kinsey Clyde Martin, interpretado pelo ótimo Peter Sarsgaard – no epicentro do projeto capitaneado pelo cientista, é quase impossível não se identificar em algum nível com esses personagens.

Por isso, o filme de Condon resulta em uma cinebiografia atípica, menos didatico-pedagógica do que o habitual e mais humana e palpável do que se espera. Um ótimo programa para esse feriado, quando há mais tempo para sentar e discutir os fatos da vida com quem interessa. GGGG1/2

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