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No episódio “The Entire History of You”, uma lente projeta as memórias gravadas de uma pessoa. | /Divulgação
No episódio “The Entire History of You”, uma lente projeta as memórias gravadas de uma pessoa.| Foto: /Divulgação

“Black Mirror”, a série que trata de efeitos colaterais dos avanços tecnológicos da humanidade, parece sempre se situar, a cada capítulo, em um futuro próximo que pode ou não ser aquele que viveremos. Algumas inovações tecnológicas apresentadas em “Black Mirror” aparentam ser apenas fruto da imaginação de seus roteiristas, como um dispositivo implantado na cabeça capaz de armazenar todas as memórias de uma pessoa ou outro que permite fazer o download de uma consciência que atue como um assistente pessoal.

No entanto, muito da tecnologia perturbadora apresentada na série já é real, seja em projetos que ainda demandam desenvolvimento, seja em equipamentos que, hoje, são perfeitamente capazes de reproduzir uma tecnologia que, em um passado muito recente, limitava-se à ficção científica.

Não é que os produtores de “Black Mirror” sejam capazes de prever o futuro. O criador da série, Charlie Brooker, já afirmou que seu processo criativo envolve encontrar uma ideia de “o que aconteceria se” e, a partir disso, imaginar que tipo de meios tecnológicos poderiam ser desenvolvidos para a humanidade chegar àquela situação. Não se trata de adivinhação, mas de um exercício de futurismo.

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Veja abaixo oito episódios de “Black Mirror” cuja tecnologia, apesar de ter sido concebida como pura ficção, já é realidade hoje.

“National Anthem” (Temporada 1, episódio 1, 2011)

No primeiro episódio da série, Rory Kinnear vive o primeiro-ministro britânico. Divulgação

O episódio inaugural da série não trata de nenhuma inovação tecnológica diferente das já conhecidas, mas da decorrência de nosso comportamento a partir da amplitude das redes sociais e da diminuição da privacidade. No capítulo, o primeiro-ministro britânico é chantageado a praticar um ato de zoofilia com um porco, transmitido ao vivo, para salvar a vida de uma princesa do Reino Unido sequestrada. Houve que, em 2015, quatro anos após o episódio ter ido ao ar, o então primeiro-ministro David Cameron se viu diante de uma denúncia, publicada em uma biografia não-autorizada, de que, quando jovem, teria “inserido uma parte privada da sua anatomia” na cabeça de um porco morto, como parte de um rito de iniciação universitário. O governo britânico negou veementemente o episódio.

“The Entire History of You” (Temporada 1, episódio 3, 2011)

Em um dos mais perturbadores episódios da série, existe um dispositivo que, implantado na cabeça de uma pessoa, permite que ela grave todas suas vivências e as exiba sempre que quiser, tornando suas memórias um filme em primeira pessoa. Enquanto a tecnologia para se gravar memórias diretamente do cérebro esteja longe de ser alcançada, salvar imagens do que estamos olhando já é possível com o Spectacles, óculos capazes de gravar vídeos com uma lente que imita o formato do olho humano. Lançado pela Snap Inc, dona do Snapchat, o Spetacles já foi comercializado limitadamente nos EUA pelo preço de US$ 129.

“Be Right Back” (Temporada 2, episódio 1, 2011)

Deprimida com a morte do marido, uma mulher conhece um serviço que revive a consciência de uma pessoa por meio de todos os registros deixados por ela em vida – fotos, vídeos, postagens em redes sociais etc. No início, seu contato se dá através de um chat. Depois, por telefone. Em seguida, a consciência do marido é implantada em um boneco moldado à sua exata imagem e semelhança. Esta tecnologia vem sendo amplamente desenvolvida em chatbots, robôs desenhados para conversar com humanos e entender questionamentos complexos, como o projeto Crystal. Uma engenheira russa, inclusive, foi notícia por “conversar” com o marido falecido por meio de um chatbot construído a partir de sua memória digital.

“The Waldo Moment” (Temporada 2, episódio 3, 2013)

Um comediante dubla o desenho animado de um urso que zomba de políticos. O sucesso com o público é tamanho que decidem lançar Waldo, o urso, como candidato. Mais uma vez, a ideia decorre do comportamento das pessoas nas redes sociais, que favorece políticos que optam por atitudes mais, digamos, “espetaculares”. Essa mesma caricatura já foi usada por comediantes como Robert Smigel e seu incrível Triumph the Insult Comic Dog. Até no Brasil um animal de zoológico já foi candidato. Em 1959 o Rinoceronte Cacareco “recebeu” cerca de 100 mil votos para vereador de eleitores que escreveram seu nome na cédula de votação.

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“Nosedive” (Temporada 3, episódio 1, 2016)

Bryce Dallas-Howard em “Black Mirror”. David Dettmann/Netflix

Tido como o melhor episódio de “Black Mirror”, “Nosedive”, que estrela Bryce Dallas-Howard, cria um mundo em que as pessoas constantemente avaliam umas às outras, estabelecendo um ranking social que oferece vantagens às melhores cotadas. Pois bem, o governo chinês já vem desenvolvendo um sistema de crédito social próprio que, segundo a BBC, “compila informações governamentais e fiscais, incluindo multas de trânsito, e o destila em um único número que ranqueia os cidadãos”. A ideia não é muito diferente do que já se debate no Brasil a respeito do cadastro positivo, um ranking de bons pagadores. A tecnologia mostrada no episódio, em que as pessoas enxergam o ranking das outras em suas lentes de contato, também é análoga ao Hololens, um projeto da Microsoft de um visor capaz de projetar animações holográficas no ambiente de quem o utiliza.

“Shut up and Dance” (Temporada 3, episódio 3, 2016)

Um jovem é chantageado por hackers que usam a câmera de seu notebook para capturá-lo em situações comprometedoras. Soa familiar? É porque, cada vez mais, casos de hackers que invadem equipamentos alheios em busca de material privado se tornam comuns. Nos Estados Unidos, um homem chamado Luis Mijangos foi preso por roubar imagens de mais de 200 mulheres captadas por suas webcams. E um site russo já chegou a transmitir mais de 4,5 mil imagens simultâneas captadas por câmeras de computadores vulneráveis a invasões.

“Men Against Fire” (Temporada 3, episódio 5, 2016)

O episódio cita o livro “Homens ou Fogo”, de S. L. A. Marshall, conhecido pela teoria de que combatentes em guerra deixam de atirar contra inimigos devido a seu instinto de empatia e preservação da humanidade. No episódio, soldados usam um equipamento que os faz enxergar o inimigo como inumanos. Nada muito diferente, por exemplo, de propaganda antijaponesa feita na Segunda Guerra Mundial. A tecnologia para isso também está se desenvolvendo. Pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, criaram um aplicativo capaz de criar movimentos no rosto de qualquer pessoa que apareça em um vídeo de 20 segundos. Como, por exemplo, um político famoso.

“Hated in the Nation” (Temporada 3, episódio 6, 2016)

Episódio “Hated in the Nation”, de “Black Mirror”. Laurie Sparham/Netflix

O último episódio da última temporada de “Black Mirror” mostra as consequências de se hackear insetos mecânicos que trabalham na polinização de flores depois da extinção das abelhas no mundo. Nesse caso, não há nenhum exemplo de tecnologia aproximada ou de ideias que inspiraram esta trama. O exemplo é simplesmente real. Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada do Japão desenvolveram um gel que, aplicado em drones minúsculos, é capaz de capturar pólen. O material, inclusive, tem a capacidade de mudar de cor para evitar possíveis predadores na natureza. Ou seja, a humanidade já tem um jeito de sobreviver ao “abelhalipse”, deixando “Black Mirror” ultrapassado.

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