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Cartaz do filme ‘O Doutrinador’. Personagem principal do filme mata políticos corruptos | Divulgação
Cartaz do filme ‘O Doutrinador’. Personagem principal do filme mata políticos corruptos| Foto: Divulgação

Uma multidão protesta diante do palácio do governador Sandro Correia. Assustado pelo som de tiros e de coquetéis molotov lançados contra as janelas do edifício, o político corre para debaixo da mesa de sua sala. Não adianta: a porta abre com estrondo e um homem encapuzado, usando uma máscara de gás com luz vermelha iluminando a região dos olhos, arranca o governador do esconderijo improvisado. 

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A cena é fictícia. Faz parte de O Doutrinador, uma produção nacional que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (01) – o governador é interpretado por Eduardo Moscovis. O personagem-título, vivido por Kiko Pissolato, é um agente policial que resolve eliminar os corruptos na base da violência. O que aconteceria se um justiceiro assim surgisse no cenário nacional hoje? A corrupção diminuiria? 

1. Assassino revoltado 

O criador do personagem, o designer gráfico Luciano Cunha, responde com firmeza: “Claro que não. Nem mesmo o aparecimento das redes sociais e da Operação Lava Jato, que impulsionou uma maior vigilância e cobrança dos eleitores, fez com que políticos e empresários corruptos se sentissem inibidos”. 

Luciano criou O Doutrinador em 2008, mas o personagem ficou famoso em 2013, quando ele publicou a história em quadrinhos por partes, no Facebook. Estava indignado com a sequência de casos de corrupção vindo à tona. “Não consigo lembrar o escândalo do dia em que decidi desenhar a primeira vez. Mas tenho absoluta certeza que foi o acúmulo, o acervo insuportável deles que me moveu a iniciar o projeto”. 

Nossas convicçõesO poder da razão e do diálogo 

O designer gráfico lançou uma nova história em 2014, escrita em parceria com o músico Marcelo Yuka. Depois do lançamento do filme, o autor lançará outras duas histórias inéditas. E, em março de 2019, O Doutrinador vai virar uma série do canal Space. “O Doutrinador é somente a minha revolta contra a classe política brasileira expressa em papel”, explica o criador. “É ficção pura, é entretenimento escapista. Nunca quis fazer uma espécie de tratado de sociologia, é quadrinho de vigilantismo na sua forma mais simples”. 

2. Falsa solução 

Outros filmes e séries já trataram de temas parecidos – caso da produção americana Dredd, de 2012. Além disso, dois livros de ficção brasileiros tratam deste tema. Um deles é Distrito Federal, escrito por Nelson de Oliveira sob o pseudônimo Luiz Bras, que conta a história de um ciborgue que começa a exterminar políticos corruptos em Brasília. O outro é 2.999 Graus - A Arte de Queimar no Inferno, de Adilson Xavier, em que um justiceiro usa um maçarico para torturar e matar corruptos. 

Nossas convicçõesA dignidade da pessoa humana 

Embora o “justiçamento” possa ecoar em parte das pessoas que acompanham o noticiário e se sentem revoltadas, a violência não é solução — até porque, num estado democrático de direito, todo cidadão, mesmo um corrupto, tem direito a um julgamento justo. Todos possuem uma dignidade intrínseca, que não pode ser retirada, por pior que ela seja.

Nossas convicçõesO Estado de Direito

Supondo que surgisse um justiceiro desse gênero, é possível que ele até conseguisse matar algum líder político de expressão. A reação poderia ser, por um lado, de euforia de uma parcela da população, e de algum temor inicial dos corruptos. Mas, de outro lado, a atitude daria início a uma reação imediata das forças policiais. 

“A violência seria capaz de agravar o problema da corrupção”, afirma Michael Johnston, cientista político e professor da Universidade Colgate. “Legitimaria ações violentas dos políticos perseguidos e estimularia uma caçada a suspeitos. É o que vai acontecer com a tática de Rodrigo Duterte nas Filipinas”, ele explica, fazendo referência ao presidente filipino, que pretende distribuir 42 mil armas para cidadãos comuns, principalmente líderes comunitários, para que eles saiam pelo país matando pessoas envolvidas em qualquer tipo de atividade ilícita, em especial narcotráfico. 

Num cenário destes, um clima semelhante ao da União Soviética de Josef Stalin se instalaria: qualquer delação, por menos fundamentada que fosse, significaria uma pena de morte ou degredo. E os corruptos mortos rapidamente seriam substituídos por outros — como já acontece com o crime organizado. 

3. Soluções concretas 

Mas, se sair matando políticos não daria certo, o que funciona? 

“É essencial que a sociedade exija que as leis sejam colocadas em prática”, explica Michael Johnston. “Como escreveu [o ativista americano do século 19] Frederick Douglass, ‘o poder nunca concedeu nada sem demanda’”. Para isso, mecanismos de controle externo e práticas de transparência, que garantam a divulgação de todo tipo de licitação e contrato, além do andamento de obras públicas, precisam andar em paralelo com o cumprimento da lei. 

Nossas convicçõesO valor da democracia 

Com isso, o Brasil poderia avançar de fato no combate à corrupção, sem se tornar um Estado propenso à solução pela via da selvageria. Seria bastante vantajoso: em geral, os países mais honestos do mundo são também bastante desenvolvidos

Basta comparar o ranking anual da Transparência Internacional, que lista, como destaques mundiais, Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia e Suíça, com o ranking de países segundo o IDH, o índice de desenvolvimento humano: os países mais transparentes estão, respetivamente, em 11º, 16º, 15º, 8º e 2º lugares. Prova de que, sem soluções fáceis, e com medidas efetivas de combate à corrupção, o país teria muito a ganhar.

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