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Em narrativas curtas, Hatoum não perde o vigor | Pedro Serápio/Gazeta do Povo
Em narrativas curtas, Hatoum não perde o vigor| Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo

Perfil

Saiba mais sobre o autor

- Descendente de imigrantes libaneses, Milton Hatoum tem 57 anos. Ensinou literatura na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e na Universidade da Califórnia em Berkeley, região metropolitana de São Francisco.

- Escreveu quatro romances: Relato de um Certo Oriente, Dois Irmãos, Cinzas do Norte (esse último vencedor do Prêmio Portugal Telecom de Literatura e todos os três primeiros ganhadores do Prêmio Jabuti de melhor romance) e Órfãos do Eldorado. Seus livros já venderam mais de 200 mil exemplares no Brasil e foram traduzidos em oito países.

- A Cidade Ilhada é seu primeiro volume contos e reúne 13 histórias, seis delas inéditas em português.

Os personagens de Milton Hatoum estão quase sempre à deriva. Estejam no coração da Floresta Amazônica ou no exílio, confinados em um exíguo apartamento parisiense, padecem de males que os conectam: incomunicabilidade, alienação e a nostalgia de tempos que julgam, talvez sem razão, terem sido mais felizes. A Cidade Ilhada, primeiro livro de contos do premiado autor dos romances Dois Irmãos e Cinzas do Norte, atesta que, em narrativas mais curtas, o escritor não perde seus traços essenciais. Tampouco o vigor.

Embora rejeite a classificação de regionalista, Hatoum traz na sua escrita a seiva do Norte. Manaus, onde nasceu, e a região amazônica, se não compõem a geografia de suas histórias, estão sempre à espreita ou embutidas na dicção do narrador. Todo seu universo ficcional parece ser tomado pelo calor úmido, algo desolador, pelo torpor característico da região. Mas isso não é ruim. São poucos os escritores que conseguem transportar o leitor ao universo ficcional por eles criados. Hatoum é um deles.

Nos 13 contos que integram A Cidade Ilhada, obra curta porém intensa, há momentos sublimes, mas também perturbadores. Talvez porque os homens e mulheres que povoam sua obra sejam quase sempre um pouco náufragos, vítimas da própria existência. Algo que também incomoda é a sensação de que, sem rota certa, estejam a um passo de desvanecer, rompendo os poucos laços que lhes restam com a realidade.

Essa precariedade dos vínculos tanto entre amigos, amantes ou familiares é onipresente. Em "Varandas de Eva", primeiro conto do livro, o narrador, que parece ser o mesmo de Cinzas do Norte (também tem um tio Ranulfo), vive uma intensa e inesquecível noite de amor com uma mulher mais velha, numa visita a um prostíbulo escondido na floresta. Quando retorna no dia seguinte, ansioso por revê-la, ela sumiu.

Em outra história, "Uma Estrangeira em Nossa Rua", escrita em tom algo autobiográfico e de melancólica nostalgia, o narrador fala de uma jovem, filha de um irlandês e de uma peruana, vizinhos de sua família na adolescência. A distância, ele vive uma paixão arrabatadora – como costumam ser os amores nessa fase da vida. Ela a observa, a deseja. E, sugere nas entrelinhas, é de certa forma correspondido. Até que, um dia, a menina parte. Sai de cena sem aviso prévio.

E no conto-título da coletânea, que reúne seis textos inéditos em português, Hatoum se supera. Com o requinte de um contador de histórias de mistério à la Edgar Alan Poe, fala de um cientista estrangeiro, como tantos que passam pela Amazônia, e de sua mulher. Apaixonados um pelo outro e pela região, resolvem ficar em Manaus, encantados pelo esplendor natural da floresta.

O idílio, que parece sem fim, é interrompido num baile. Surge do nada outro homem que, em meio a rodopios na pista de dança, leva para sempre a amada do biólogo. Com o ex-marido, de volta à Europa, ela passa a se comunicar apenas por meio de cartas. Os envelopes sempre trazem um cartão-postal com a mesma imagem: uma casa sobre palafitas numa ilhota fluvial. Nada mais. É onde ela vive com o dançarino que a seduziu. O conto inicia-se quando o pesquisador decide conhecer o tal casebre de perto.

"A Cidade Ilhada" (a história) é exemplar nesse anseio de falar da insustentável fragilidade do ser e de seus vínculos com o mundo. E também aborda outro tema recorrente na obra de Hatoum: os misteriosos e tortuosos caminhos do embate amoroso. Esse território é explorado em "Encontros na Península", no qual um jovem estudante na ensolarada Barcelona é contratado por Victoria, uma viúva de meia-idade, para lhe dar aulas de português.

A razão do interesse de Victoria pelo idioma é inusitada: quer ler a obra de Machado de Assis no original . Tudo porque o homem por quem está apaixonada, um lisboeta que ama Eça de Quiroz, odeia o autor de Dom Casmurro por um dia ter ousado criticar os livros do célebre autor lusitano. A viúva quer compreender o ódio de seu amante. Por quê? É melhor ler o conto para descobrir.

Serviço

A Cidade Ilhada, de Milton Hatoum. Companhia das Letras, R$ 128 págs., R$ 31.

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