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Luto

A despedida de Cleyde Yáconis

Atriz teve uma carreira gloriosa, marcada por interpretações antológicas, e se dedicava a todas as atividades ligadas ao ofício

Cleyde Yáconis era sinônimo de elegância e excelência dentro e fora dos palcos | Antonio Milena/Agência Estado
Cleyde Yáconis era sinônimo de elegância e excelência dentro e fora dos palcos (Foto: Antonio Milena/Agência Estado)

A atriz Cleyde Yáconis, que morreu na noite de segunda-feira, aos 89 anos, de isquemia, era uma mulher de gestos simples, com pleno domínio de seus atos e palavras. Em uma de suas últimas entrevistas à imprensa, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, em uma tarde chuvosa de julho de 2012, ela parecia incomodada pela fama conquistada – ao lado da também atriz Denise Fraga e do diretor Marco Antônio Brás, ela se preparava para o recital Elas Não Gostam de Apanhar, homenagem às personagens femininas de Nelson Rodrigues e que foi encenada apenas duas vezes, apesar da previsão de três espetáculos.

Cleyde exibia um corpo franzino demais (apenas 49 quilos), o que alongava seus braços e dedos. Curiosamente, também ressaltava seu perfil de dama do teatro, valorizada pelos que ali estavam, no escritório de produção da montagem, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo. A atriz era homenageada por todos os presentes, o que ela retribuía com um gesto zombeteiro, autodepreciativo, ao mesmo tempo agradecido.

Sua fala era mansa, exigia uma aproximação do ouvido, mas as frases saíam articuladas. Certamente, por conta de tantos anos de preparação para viver inúmeros personagens. Em 2003, quando ofereceu uma antológica interpretação de Mary, a morfinômana de Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro, de Eugene O’Neill, Cleyde confidenciou ao repórter: "Trata-se de um personagem que exige uma composição sistemática e preocupada com detalhes".

Bastava ter o privilégio de vê-la em cena para se constatar. Desde o infantilismo de Mary até seus silêncios de mágoa e semifúria, inevitáveis aos dependentes de morfina, Cleyde exibia um conjunto de expressões faciais que, junto da atitude corporal e das inflexões de voz, revelavam um progressivo estado de decadência mental. "Tive muito cuidado em não apresentar todos os sintomas de uma só vez, pois poderia correr o risco de tornar a atuação repetitiva, algo perigoso em um espetáculo longo", comentou.

Minúcias

Naquela tarde de julho do ano passado, a atriz voltava a se preocupar com minúcias quando falava de Nelson Rodrigues, autor vital em sua carreira, pois foi a primeira a interpretar Geni, de Toda Nudez Será Castigada, em 1965. "Não podemos deixar de fora a cena em que ela diz que lava o sexo em uma bacia. É essencial", enfatizava, na mesa de leitura.

Com alimentação balanceada (comia pouco e sempre a cada três horas), exibia uma agilidade que só não era mais elástica por conta de um acidente sofrido dois anos antes, quando fraturou o fêmur. Preservava ainda uma rotina monástica, na chácara onde viveu por anos em Jordanésia, cidade perto de Jundiaí (SP). "Não frequento rodas sociais e acho que, no máximo, só sete pessoas já me visitaram em casa. Mesmo por telefone, não sou tão acessível."

O teatro era sua porta de contato com o mundo. No entanto, sua despedida da cena foi tortuosa. Nervosa, em 2012, não se lembrava das falas decoradas, necessitando de ajuda do texto escrito. Mesmo assim, foi ovacionada em vários momentos. Apresentou-se assim na sexta e no sábado – domingo, incomodada com os problemas, pediu o cancelamento do espetáculo. Preferiu uma saída digna.

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