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Wilson está divulgando a nova caixa com gravações de Smile, o álbum que lhe causou um colapso nervoso nos anos 1960: um olho no retrovisor e outro nas novas ideias | Divulgação
Wilson está divulgando a nova caixa com gravações de Smile, o álbum que lhe causou um colapso nervoso nos anos 1960: um olho no retrovisor e outro nas novas ideias| Foto: Divulgação

"Tem sempre algo que se pode ajeitar. Os jovens podem se interessar por música velha se ela vestir uma camisa nova. As harmonias dos Beach Boys ainda soam bonitas."

Brian Wilson, cantor e compositor

Não fosse a visão proporcionada pela porta semiaberta de uma sala do Business Center do Hotel Intercontinental, no centro de Londres, desavisados ou recém-chegados poderiam simplesmente interromper alguma das entrevistas de Brian Wilson. E a ausência do batalhão de assessores que costuma marcar eventos promocionais muitas vezes organizados em torno de figuras bem menos relevantes que um dos mais celebrados artistas da música popular contemporânea, bem como de manifestações de luxo como suítes suntuosas, é a primeira de uma série de surpresas numa rara oportunidade de audiência.

Impossível não se espantar com a simplicidade de acesso a Wilson, um artista de 69 anos que se acostumou a ser cercado de cuidados há pelo menos três décadas, graças aos famosos problemas causados por um combinação explosiva de doença mental, indulgência química, um pai abusivo e uma criatividade obsessiva. Na verdade, o fato de ele ainda ter condições de concatenar frases, mesmo curtas, é um milagre mais impressionante que a aparente invulnerabilidade do colega de profissão Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones.

Daí o choque diante da presença solitária de Jeff Foskett, o dublê de guitarrista e ajudante de Wilson, e de uma divulgadora da gravadora EMI, que permanece na sala apenas para confirmar se o entrevistador da vez está a par do mais recente projeto The Smile Sessions, uma caixa de cinco CDs lançada este mês que disseca o mítico álbum famoso tanto pela ousadia harmônica e instrumental como pelo colapso nervoso causado em seu criador – ao ponto de o álbum, gravado entre 1966 e 1967, só ter visto a luz do dia em 2003. Uma nova versão do disco, com 27 faixas, também está saindo, agora com a concordância de todos os envolvidos.

Mais surpreendente ainda é que tanto a moça quanto Foskett passam mais tempo fora da sala do que vigiando Wilson. Mas ainda que ficar à vontade diante de estranhos seja impossível para um músico desconfortável diante de multidões mesmo em tempos mais jovens, o beach boy supremo exibe tranquilidade e segurança muito maiores que no encontro anterior com a reportagem, há sete anos (curiosamente, em mais um evento ligado ao lançamento de um documentário sobre a regravação e turnê de Smile).

"Muito obrigado por vir me entrevistar. Estou muito animado com o novo projeto. Tínhamos mais de 200 horas de gravação para analisar e montar a caixa, o que me deu muito trabalho", explica Wilson.

Apesar de mais velho, o beach boy versão 2011 tem uma aparência mais saudável, apesar das expressões ocasionais de melancolia que parecem refletir as lembranças de sua jornada tresloucada – aparentemente, em negociações para ser transformada em filme. Wilson, ironicamente, é o único sobrevivente da família direta. Os irmãos e companheiros de banda Dennis e Carl partiram em 1983 e 1998, respectivamente.

Primo

No sentido figurado, também parece ter morrido Mike Love, o primo com quem a incompatibilidade de gênios atingiu o auge em 2005, com uma bisonha ação judicial em que Love se dizia negligenciado publicamente em sua participação intelectual e musical na obra do grupo.

O processo morreu praticamente no nascedouro, mas a experiência alimentou um desejo de separação do passado que vem crescendo em proporção direta com a produção solo de Wilson – oito álbuns, incluindo um de covers de clássicos da trilha sonora dos filmes de Walt Disney e o ambicioso projeto de setembro de 2010 em que Wilson não só fez releituras de clássicos de George e Ira Gerswhin como apresentou duas faixas inacabadas da legendária dupla de compositores americanos.

"Minha carreira não é apenas o que fiz com os Beach Boys, e o passado tem que ficar para trás. Acho que gostaria de tocar mais as minhas canções nos shows. Gosto de trabalhar, me sinto à vontade quando estou na frente do piano. E as ideias continuam na minha cabeça", afirma.

Nem por isso Wilson pretende dar as costas para o catálogo do grupo que fundou e nutriu com canções seminais como "Good Vibrations", "Surf’s Up" e "God Only Knows". Se as obsessões hoje estão sob controle, ele tampouco deixou de ser perfeccionista e sonha com a oportunidade de uma faxina nos discos de estúdio dos Beach Boys. "Tem sempre algo que se pode ajeitar. Os jovens podem se interessar por música velha se ela vestir uma camisa nova. As harmonias dos Beach Boys ainda soam bonitas", acredita.

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