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Livro

A genealogia dolorosa de uma revolução

O Xá dos Xás, de Ryszard Kapuscinski , é bom de ler como um romance e instigante como um ensaio político

Reza Pahlevi e a esposa, Farah, fogem de Teerã: livro faz um relato original da revolução que derrubou o último monarca iraniano | Phillipe Dezmazes/AFP
Reza Pahlevi e a esposa, Farah, fogem de Teerã: livro faz um relato original da revolução que derrubou o último monarca iraniano (Foto: Phillipe Dezmazes/AFP)
Obra faz parte da coleção Jornalismo Literário |

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Obra faz parte da coleção Jornalismo Literário

Segundo a jornalista Dorrit Harazim, que assina o posfácio desta edição de O Xá dos Xás, o repórter Ryszard Kapuscinski chamava de "textos" o que escrevia porque misturava reportagem, ruminações filosóficas e zelo literário. "A pergunta se sou repórter ou escritor é anacrônica", teria declarado o polonês em 2006, um ano antes de morrer.

Ter em mente essa miscigenação de gêneros é útil para o leitor de O Xá dos Xás, livro maravilhoso em que Kapuscinski registra a queda do xá Mohammed Reza Pahlevi, em 1979. Não se trata de uma reportagem tradicional. O relato é feito a partir de fotos, recortes de jornais e anotações que o jornalista coletou no Irã. Uma imagem de Reza Pahlevi com seu pai serve de pretexto para o repórter investigar a personalidade do último soberano, que herdou o trono e não demonstrava ter firmeza o suficiente para o papel que assumiu. Esse recurso dá velocidade e calor ao livro.

Um ponto alto é quando o jornalista registra o depoimento de um iraniano que vive no exterior e volta a Teerã ao ser convocado pelo irmão, o qual pressente o fim do regime do xá. Neste mo­­men­­­­­to, o livro ganha o tom de um romance. Mahmud Azari descreve para Kapuscinski o país que encontrou em 1977: apavorados pelo medo da polícia secreta do xá, que prendia e torturava apenas para criar o clima de medo, seus conhecidos viviam mergulhados em um ambiente surreal. Para evitar qualquer menção à realidade do país, os conhecidos de Azari mantêm conversas estranhas, desligadas da realidade.

Não há preocupação em registrar datas, em ouvir "o outro lado". O repórter polonês é, ele pró­­prio, a personificação do outro lado. Está em Teerã como observador estrangeiro que tenta entender a mente iraniana ouvindo, zanzando pelas ruas e comparando o que vê lá com o que viu em outras ditaduras. Na agência de notícias polonesa, ele se especializou em cobrir o Terceiro Mun­­do e viu mais de 20 golpes de estado e revoluções.

O Irã que Kapuscinski descreve era um país pobre, sem escolas ou estradas. Por sua vez, o xá tinha muito dinheiro vindo do petróleo. Preocupado com sua imagem no resto do mundo, o xá quer modernizar seu país. O que entende por modernizar é gastar muito com armas e trazer estrangeiros muito bem pagos para tocar as tarefas que os iranianos, de baixa escolaridade, não podem fazer. Com isso, a humilhação e o desespero dos iranianos vai crescendo. O xá não vê isso, porque sua preocupação básica é se manter no poder. O povo é figurante nos seus planos. Mesmo para Kapuscinki, que vinha da Polônia comunista, o clima de repressão é assustador.

Como acontece quando se lê um thriller, fica-se na expectativa de que algo aconteça – até porque, o leitor de 2012 sabe que o governo do xá vai acabar e que o Irã vai se tornar o país dos aiatolás. Parecendo antever que, no futuro, será difícil compreender porque os iranianos trilharam o caminho do regime religioso, Kapuscinski se concentra mais no período anterior à queda do xá. De fato, o livro ajuda o leitor a entender o Irã de hoje.

Após a fuga do xá para o exterior, Kapuscinski permanece em Teerã e vê o despreparo dos que assumem o poder. Passa tardes sentado em um dos comitês populares formados para substituir o governo deposto. Diz ele: "A cada golpe de estado o país recua ao ponto inicial e começa do zero, já que a nova geração de vencedores tem que aprender tudo o que a geração derrotada aprendeu com tanto esforço e dedicação. Isso significa que os derrotados eram hábeis e sábios? De modo algum. A gênese da geração anterior foi idêntica à da que a substituiu". GGGG

Serviço:O Xá dos Xás, de Ryszard Kapuscinski. Tradução de Tomasz Barcinski. Companhia das Letras. 200 págs. R$ 20. Jornalismo literário.

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