• Carregando...
Reza Pahlevi e a esposa, Farah, fogem de Teerã: livro faz um relato original da revolução que derrubou o último monarca iraniano | Phillipe Dezmazes/AFP
Reza Pahlevi e a esposa, Farah, fogem de Teerã: livro faz um relato original da revolução que derrubou o último monarca iraniano| Foto: Phillipe Dezmazes/AFP

História

Ocidente era fascinado pelo xá

Ryszard Kapuscinski se propôs a escrever uma trilogia sobre o poder ditatorial. O primeiro, O Imperador, contava a história do monarca da Etiópia Hailé Selassié. Depois veio O Xá dos Xás. O terceiro seria um livro sobre o ditador de Uganda Idi Amim Dada, mas Kapuscinski desistiu por não encontrar uma abordagem que considerasse satisfatória para falar do africano.

Os três "imperadores" foram figuras icônicas dos anos 1970, sendo que Reza Pahlevi era o que mais impressionava o Ocidente. Bonito e sofisticado, ele circulava pelas capitais europeias acompanhado de suas esposas. A segunda mulher com quem se casou, Soraia, era uma obsessão da imprensa ocidental, inclusive da brasileira, que gostava de mostrar as fotos da linda esposa do xá. O casamento teve um fim trágico: como ela não lhe deu um herdeiro, o xá – que parecia verdadeiramente apaixonado -- pediu o divórcio e casou-se com Farah, com quem teve muitos filhos. Esforço inútil: logo veio a revolução e os filhos de Reza Pahlevi nunca assumiram o trono do Irã. Soraia, por sua vez, morreu sozinha em Paris.

  • Obra faz parte da coleção Jornalismo Literário

Segundo a jornalista Dorrit Harazim, que assina o posfácio desta edição de O Xá dos Xás, o repórter Ryszard Kapuscinski chamava de "textos" o que escrevia porque misturava reportagem, ruminações filosóficas e zelo literário. "A pergunta se sou repórter ou escritor é anacrônica", teria declarado o polonês em 2006, um ano antes de morrer.

Ter em mente essa miscigenação de gêneros é útil para o leitor de O Xá dos Xás, livro maravilhoso em que Kapuscinski registra a queda do xá Mohammed Reza Pahlevi, em 1979. Não se trata de uma reportagem tradicional. O relato é feito a partir de fotos, recortes de jornais e anotações que o jornalista coletou no Irã. Uma imagem de Reza Pahlevi com seu pai serve de pretexto para o repórter investigar a personalidade do último soberano, que herdou o trono e não demonstrava ter firmeza o suficiente para o papel que assumiu. Esse recurso dá velocidade e calor ao livro.

Um ponto alto é quando o jornalista registra o depoimento de um iraniano que vive no exterior e volta a Teerã ao ser convocado pelo irmão, o qual pressente o fim do regime do xá. Neste mo­­men­­­­­to, o livro ganha o tom de um romance. Mahmud Azari descreve para Kapuscinski o país que encontrou em 1977: apavorados pelo medo da polícia secreta do xá, que prendia e torturava apenas para criar o clima de medo, seus conhecidos viviam mergulhados em um ambiente surreal. Para evitar qualquer menção à realidade do país, os conhecidos de Azari mantêm conversas estranhas, desligadas da realidade.

Não há preocupação em registrar datas, em ouvir "o outro lado". O repórter polonês é, ele pró­­prio, a personificação do outro lado. Está em Teerã como observador estrangeiro que tenta entender a mente iraniana ouvindo, zanzando pelas ruas e comparando o que vê lá com o que viu em outras ditaduras. Na agência de notícias polonesa, ele se especializou em cobrir o Terceiro Mun­­do e viu mais de 20 golpes de estado e revoluções.

O Irã que Kapuscinski descreve era um país pobre, sem escolas ou estradas. Por sua vez, o xá tinha muito dinheiro vindo do petróleo. Preocupado com sua imagem no resto do mundo, o xá quer modernizar seu país. O que entende por modernizar é gastar muito com armas e trazer estrangeiros muito bem pagos para tocar as tarefas que os iranianos, de baixa escolaridade, não podem fazer. Com isso, a humilhação e o desespero dos iranianos vai crescendo. O xá não vê isso, porque sua preocupação básica é se manter no poder. O povo é figurante nos seus planos. Mesmo para Kapuscinki, que vinha da Polônia comunista, o clima de repressão é assustador.

Como acontece quando se lê um thriller, fica-se na expectativa de que algo aconteça – até porque, o leitor de 2012 sabe que o governo do xá vai acabar e que o Irã vai se tornar o país dos aiatolás. Parecendo antever que, no futuro, será difícil compreender porque os iranianos trilharam o caminho do regime religioso, Kapuscinski se concentra mais no período anterior à queda do xá. De fato, o livro ajuda o leitor a entender o Irã de hoje.

Após a fuga do xá para o exterior, Kapuscinski permanece em Teerã e vê o despreparo dos que assumem o poder. Passa tardes sentado em um dos comitês populares formados para substituir o governo deposto. Diz ele: "A cada golpe de estado o país recua ao ponto inicial e começa do zero, já que a nova geração de vencedores tem que aprender tudo o que a geração derrotada aprendeu com tanto esforço e dedicação. Isso significa que os derrotados eram hábeis e sábios? De modo algum. A gênese da geração anterior foi idêntica à da que a substituiu". GGGG

Serviço:O Xá dos Xás, de Ryszard Kapuscinski. Tradução de Tomasz Barcinski. Companhia das Letras. 200 págs. R$ 20. Jornalismo literário.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]