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Durante algum tempo, entre o fim da década de 1980 e o começo dos anos 90, tanto o público quanto os desenvolvedores de videogames passaram a acreditar que os jogos eletrônicos substituiriam o cinema, seja como meio e também como arte.

Acreditando nisso, em 1993, a gigante companhia japonesa de games Sega, criadora do MegaDrive e do mascote Sonic e principal rival da Nintendo, abriu um estúdio em Hollywood para produzir filmes interativos. Gastou milhões contratando atores que estavam em voga na época, como Corey Haim, astro de filmes como Garotos Perdidose Conte Comigo, para estrelar jogos do Sega CD, um dos primeiros video­­games a usar a grande capacidade de armazenamento de dados dos compact discs. Os filmes interativos criados a partir dessa iniciativa foram um fracasso de crítica e público. As longas cenas pareciam tiradas de filmes B e a mecânica dos jogos não tinham nada a ver com a dinâmica dos videogames.

Talvez a lição que tenha ficado do episódio é que os filmes interativos não são videogame, tampouco arte. Mesmo assim, com a criação de aparelhos tecnologicamente cada vez mais poderosos, capazes de retratar em detalhes lindos cenários e contar com trilhas sonoras compostas por ganhadores do Oscar, a discussão de videogames como forma de arte volta e meia ressurgia como o vilão de um filme ruim de terror.

Parecia uma necessidade dos fãs dos videogames de que seu objeto de adoração fosse reconhecido como arte. O problema era que os argumentos usados eram, na maioria, ruins. Alguns elogiavam as cut-scenes, longas animações introdutórias que tinham por objetivo apresentar a história do jogo ou os personagens. Outros elogiavam o visual do jogo, a trilha sonora ou o enredo. Tudo junto compõe o jogo, mas são acessórios. Isoladamente podem ser considerados arte, mas não transformam os videogames em uma forma de arte, assim como usar uma camiseta com um quadro de Van Gogh estampado nela não a torna um objeto artístico.

Roger Ebert, famoso crítico de cinema norte-americano, ganhador do Pulitzer, provocou choro e ranger de dentes entre os fãs ao afirmar que jamais os videogames poderiam ser considerados uma forma de arte como o cinema ou a literatura. Argumentou, em um artigo publicado em 2005, sob o categórico título "Videogames Can Never Be Art" (Videogames jamais serão arte), que mesmo os me­­lhores jogos não estão no mesmo nível de um livro de Charles Dickens ou de Valdimir Nabo­­kov, ou de filmes de Werner Herzog, Reiner Werner Fassbinder e Martin Scorsese. Mais tarde ele se desculparia dizendo que não era possível afirmar que jamais os jogos seriam um meio artístico válido, mas que, no momento, não eram mesmo.

Quem pode discordar de Ebert? Mesmo Shigeru Miyamoto, célebre criador de Mario Bros., o jogo mais vendido de todos os tempos, refuta o rótulo de artista. "Crio apenas entretenimento", costuma dizer. Qual jogo pode fazer seu usuário refletir sobre questões morais essenciais como o livro Eichmann em Jerusalém, da filósofa Hannah Arendt, ou Crime ou Castigo, de Fiódor Dostoiévski? Que jogo tem a força de um filme como Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa? A melhor responda é: ainda nenhum.

Uma das principais inovações vistas nos videogames nos últimos tempos é brincar com seus próprios conceitos, uma capacidade de auto-ironia e análise presente nas melhores obras artísticas. Jogos como Limbo e Prince of Persia não seguem o tradicional conceito de morte dos videogames, o de um número finito de vidas e de ‘continues’ à disposição do jogador. Não existe morte em Prince of Persia — quando estamos próximos da morte somos salvos e transportados de volta onde estávamos antes. E, em Limbo, às vezes é preciso morrer para descobrir como avançar no jogo. Deem mais alguns anos aos desenvolvedores de videogames e os avanços podem ser ainda maiores. E aqui estamos falando de avanços conceituais, não tecnológicos.

David Jaffe, criador de Gears of War, um blockbuster do Xbox, já afirmou ter pretensões de fazer um jogador chorar de emoção com suas obras. Talvez, no entanto, sua pretensão possa ser tão vã quanto os filmes interativos da Sega. Medir um videogame pelas tradicionais definições do que é arte pode ser uma perda de tempo. Videogames já foram classificados como o novo cinema, como a nova literatura, mas a verdade é que ele desafia o próprio conceito de arte, seja ele qual for.

Quem sabe a saída fosse imitar Duchamp e pendurar um PlayStation em um museu. Péssima ideia. Talvez a missão dos jogos não seja emocionar, como quer David Jaffe, ou ser uma grande forma de arte, como sustenta Roger Ebert. A força dos videogames reside justamente em estar em constante mutação, criar novos paradigmas a cada geração, ser algo que escapa aos críticos convencionais. Entretanto, há pelo menos um ponto de convergência com o cinema e a literatura. Como bons filmes e bons livros, games nos transportam a mundos surreais, cheios de sensações impossíveis de serem reproduzidas em qualquer outro meio, seja na pele de um porco-espinho azul ou de blocos que caem sem parar de cima da tela. Aí está sua beleza, sua arte.

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