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Tamanduás de Carlos Zilio propõem uma reflexão que perpassa questões existenciais, estéticas e políticas |
Tamanduás de Carlos Zilio propõem uma reflexão que perpassa questões existenciais, estéticas e políticas| Foto:

Mais no MAC

Outros dois artistas ocupam o Museu de Arte Contemporânea do Paraná. Confira.

Cartão postal

"Vai virar cartão-postal. Já tem gente fotografando", diz Carlos Zilio a respeito de uma intervenção feita pelo artista paranaense Geraldo Zamproni em pleno jardim do MAC. É um pedaço de gramado que parece ter sido aberto com zíper.

Construção dentro do museu

O acessório é, aliás, o elemento-chave da obra deste ex-arquiteto que propõe uma "construção dentro da construção" ao instalar no segundo andar do MAC blocos em concreto aparente que se conectam com zíperes. São novas obras da série Sustentabilidade que o artista já realiza há quatro anos.

Efeito pictórico

A gaúcha radicada há 19 anos em Florianópolis Flávia Duzzo assistia a uma aula do mestrado em artes quando, caneta esfereógrafica na mão, começou a rabiscar no papel. As garatujas lhe deram a ideia de criar telas em que o gesto de escrita cursiva formando milhares de bolinhas criam um efeito pictórico. Ao variar o tamanho ou a concentração das bolinhas em cada área da tela, a cor da caneta ou a textura da tela, Flávia obtém efeitos diversos. O desenho que realiza com as esferográficas tem, na verdade, a preocupação de criar imagens. "É um raciocínio de pintura", conta.

Serviço

Exposições de Carlos Zilio (RJ), Flávia Duzzo (RS) e Geraldo Zamproni (PR), no Museu de Arte Contemporânea do Paraná (R. Des. Westphalen, 16). De terça a sexta-feira, das 10 às 19 horas; e sábados, domingos e feriados, das 10 às 16 horas. Até 12 de setembro.

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As grandes telas do artista Carlos Zilio encontraram espaço adequado em Curitiba na sala Theodoro de Bona, átrio de paredes brancas e pé direito alto que equilibra com ares modernos a arquitetura em estilo eclético do Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC (confira o serviço completo). "A sala ficou ideal", avalia o artista em entrevista à repórter da Gazeta do Povo.

A conversa aconteceu diante de seus tamanduás, criaturas inéditas, produzidas em 2009 especialmente para a exposição que apresenta no MAC, ao lado de outras duas exposições: da gaúcha Flávia Duzzo e do paranaense Geraldo Zamproni. Este último, aliás, manifestou curiosidade em ouvir o prestigiado artista carioca conhecido por uma refinada reflexão sobre sua produção artística. "Dizem que ele fala muito bem."

Zamproni sabia do que estava falando. Alto, magro e reservado, Zilio responde às perguntas da repórter com a timidez do artista ao falar de sua própria obra e, ao mesmo tempo, sem a visão romântica e idealizada do pintor como um ser inspirado que tem pouco a dizer e muito a mostrar.

Professor da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Zilio costuma dizer que o artista precisa se assenhorar de sua produção artística, ou seja, não deixar aos críticos a tarefa de criar discursos sobre ela.

Os imagens dos tamanduás, que aparecem borradas como se tivessem sido clicadas em movimento, surgiram de uma reminiscência. O pai contou-lhe so­­bre um tamanduá que vivia no quintal da casa onde havia passado a infância.

O animal, após ausência prolongada do garoto, teve uma depressão que o levou à morte. "É uma lembrança que tem a ver com minhas proposições sobre o vazio, a vida e a morte, a queda, a instabilidade, a precariedade", explica.

As cores da tinta esmalte que utiliza – o preto, o branco e o azul – também transmitem essa gravidade em telas com margens brancas que remetem às fotografias. O recurso não é mero detalhe. "Hoje, a arte já não se relaciona diretamente com a vida. Ela tem uma decantação, um afastamento do real, então, todo o drama não é para causar empatia, mas reflexão", diz o artista, que já esteve em Curitiba para participar do Salão Paranaense de 1973, vencendo o prêmio aquisição.

O artista surgiu na década de 60, em um momento político que o impeliu, e a outros colegas, a fazer uma arte preocupada em mudar o mundo. São desses períodos objetos "engajados" como rostos humanos que se identificam ao do homem oprimido e uma maleta executiva cheia de pregos nomeada "Para um Jovem de Brilhante Futuro". Uma dessas obras, inclusive, estará na 29.ª Bienal de São Paulo, que abre no dia 25 de setembro, com tema que relaciona política e arte.

Zilio abandonou a chamada arte política há muito tempo, mas percebe que ela aparece em boa parte da produção contemporânea. "Nesse sentido, é representativa", diz. Em 1978, após um período na França, onde concluiu doutorado em artes na Universidade de Paris VII, trocou os objetos pela pintura e desvencilhou arte e militância.

"Os suportes, após os anos 60, se ampliaram muito, e a pintura ficou, de certa maneira, desprestigiada. Mas ela ainda é o suporte que permite transitar pela história, já que se confunde com a própria história da arte, ao mesmo tempo em que é um desafio fazer pintura no presente", diz.

Isso não significa que a arte de Zilio, ou de qualquer outro bom artista, não deva ser compromissada. "Arte, como tudo hoje em dia, é tratada como mercadoria. Então, o artista que mostra ao público a diferença entre cultura e mercadoria já está assumindo uma posição política", diz.

E continua, após alguns se­­gundos de reflexão: "Meu trabalho não é político no sentido de intervenção direta na sociedade. O artista precisa se conscientizar de que é produtor de um objeto simbólico que atua na formação de um pensamento, de uma coletividade." Para ele, que repensa o que faz permanentemente, as mudanças de curso que empreende em sua pintura seguem a dinâmica da própria vida. "Essa é a aventura da arte. O bom do artista é que ele não tem aposentadoria, está sempre inquieto", finaliza.

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