• Carregando...

Durante a 24.ª edição do Festival de Dança de Joinville, terminada ontem, era possível ver dança em todos os lugares – nos palcos montados em praças, shoppings e ruas, nas calçadas, corredores de hotéis e até nos banheiros do Centreventos Cau Hansen, local onde aconteceram as principais apresentações do evento. Porém, espiar o que acontecia à tarde em uma das salas da Escola do Teatro Bolshoi, era estritamente proibido. A reportagem do Caderno G bem que tentou, mas, em menos de 20 segundos uma funcionária da escola gentilmente solicitou que se esperasse a alguns metros da porta. "Ela não gosta de ninguém espiando. Temos ordens para que nada nem ninguém interrompa sua aula", disse a jovem.

A professora em questão, é a bailarina e coreógrafa Tatiana Leskova, que ministrava um curso especial para bailarinas de nível profissional e avançado. Em plenos 83 anos de idade, Dona Tânia, como é carinhosamente chamada pelos alunos, é uma lenda do balé mundial, conhecida por sua extrema rigidez ao transmitir os preceitos do balé russo que a imortalizou entre os principais nomes da arte. Além das aulas, D. Tânia veio ao festival para participar de uma disputada sessão de autógrafos e um bate-papo sobre sua biografia Tatiana Leskova: Uma Bailarina Solta no Mundo (Lacerda. 407 págs., R$ 42), escrita pela jornalista, coreógrafa, ex-bailarina e ex-diretora do Balé Teatro Guaíra, Suzana Braga.

E a história da vida de D. Tânia é tão rica que parece ficção. Filha de imigrantes aristocratas russos, Tatiana nasceu na França em 1922. Aos cinco anos, vítima de uma pré-infecção pulmonar, foi internada num pensionato, onde, além do tratamento, tinha aulas de dança. "Eu era uma criança muito pequena para a minha idade. O médico indicou o balé, pois ajuda no desenvolvimento da caixa torácica", conta a bailarina. Após ser aluna de Lubov Egorova, sempre graças a bolsas de estudo, Tatiana, aos 13 anos, foi contratada como estagiária da Opera Comique de Paris, sendo convidada a integrar o Ballet Russe, dois anos depois, por ninguém menos que o coreógrafo russo Leonid Massine. Foi como uma das principais bailarinas da companhia russa que ela percorreu o mundo, em uma turnê realizada durante a Segunda Guerra Mundial. "Eu achava tudo uma grande aventura. Nosso navio foi parado por submarinos alemães, ensaiávamos na balaustrada do tombadilho do barco e demoramos seis semanas para chegar na Austrália", recorda, bem-humorada.

No auge de sua carrreira como bailarina internacional, a jovem Tatiana, então com 21 anos, foi flechada por um cupido verde e amarelo. Em uma viagem a Buenos Aires, ela conheceu Luiz Honold Reis, um brasileiro por quem se apaixonou. "Ele era um homem lindo. Não era bailarino, mas foi o grande amor da minha vida", suspira. A paixão levou Dona Tânia a conseqüências drásticas: um anos depois, ela fugiu com uma colega da companhia russa, literalmente sem lenço e sem documento. "Nossos passaportes ficavam com o diretor. Tive de ser presa para consegui-los de volta", conta. Nessa ocasião, o jornalista Carlos Lacerda, ao tomar conhecimento de sua história, escreveu um artigo intitulado "Bailarinas Soltas no Mundo", que deu título à biografia.

Após ajudar a construir o corpo de balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro –, a bailarina russa dirigiu a entidade em diversas ocasiões, dos anos 50 aos 90 – hoje, ela se dedica a remontar grandes balés em países como Holanda e França, além de participar como professora convidada nos principais festivais ao redor do mundo.

Em breve, seu legado será transportado para as telas, em forma de documentário. Acompanhando todos os passos da dama do balé pelo festival, estava a cineasta brasileira, radicada na França, Tatiana Junod Valera. Há quatro anos registrando o trabalho da bailarina, Valera já possui incontáveis horas de gravação, incluindo momentos de Dona Tânia em Amsterdã, percorrendo os caminhos de sua infância em Paris e em sua extinta academia de dança, no Rio de Janeiro. "Dona Tânia é um emblema, um ícone artístico que atravessou o século 20. Tem uma memória intacta e um vigor impressionante. Quando filmo suas aulas, minha panorâmica não alcança sua rapidez", ressalta. O documentário, feito de forma independente, ainda não tem previsão de lançamento. A diretora ainda busca patrocínios no Brasil e no exterior.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]