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O maringaense Laurentino Gomes na casa de Benjamin Constant: livros de História que fazem sucesso com os leitores | Alexandre Battibugli/Divulgação
O maringaense Laurentino Gomes na casa de Benjamin Constant: livros de História que fazem sucesso com os leitores| Foto: Alexandre Battibugli/Divulgação

Lançamento

1889

Laurentino Gomes. Globo, 416 págs., R$ 45.

Com o lançamento de 1889 nesta semana, chega ao fim a trilogia escrita pelo jornalista Laurentino Gomes de "livros com datas na capa", conforme suas palavras. Os títulos anteriores, 1808 (sobre a transferência da corte portuguesa para o Brasil) e 1822 (sobre a independência) venderam juntos 1,5 milhão de exemplares, fazendo deles um fenômeno no mundo editorial brasileiro. Em setembro, as obras iniciam sua carreira internacional com o lançamento de 1808 nos Estados Unidos.

O maringaense Laurentino hoje vive em Itu, no interior de São Paulo, onde concluiu a redação do livro. A pesquisa foi feita principalmente nos EUA, onde ele e a esposa Carmen viveram durante 2012. Lá, Laurentino explorou a Biblioteca do Con­­­gresso e a Biblioteca Oli­­­veira Lima, um acervo de 40 mil livros e documentos reunidos pelo intelectual pernambucano (1867-1928) que hoje pertence à universidade católica de Washington.

1889 mantém as características dos livros anteriores da trilogia: o autor é competente em construir um texto fluente e agradável, em contextualizar os fatos para facilitar a compreensão e sempre se baseia em fontes bibliográficas respeitáveis.

Leia a seguir trechos da entrevista concedida, por telefone, por Laurentino Gomes à Gazeta do Povo. A íntegra está disponível na versão on-line do jornal.

Gazeta do Povo - O número de fontes para fazer 1889 cresceu em comparação com os livros anteriores?

Sim, a República é um período mais estudado. Tem mais fontes primárias, jornais, os livros do Raul Pompeia, Machado de Assis, do Euclides da Cunha, do Joaquim Nabuco, que ajudam a compor o ambiente. Usei um material precioso de Curitiba, que é a biblioteca Norton Macedo. O Norton Macedo é um especialista em História do Brasil, do Segundo Reinado e da República e depois que ele morreu a biblioteca foi doada à Academia Paranaense de Letras e aí o [Eduardo] Virmond [membro da Academia e presidente até o início deste ano] me ofereceu a consulta.

Gazeta do Povo - Em 1889, mais fortemente que nos livros anteriores, os fatos históricos refletem o Brasil de hoje. A estrutura da vida polícia Brasileira de hoje já estava lá, no século 19?

Tanto assim que a campanha de divulgação do livro tem como mote "Entenda como nasceu o Brasil de hoje". A gente tem uma República inacabada. Quando a gente vê as manifestações de rua, em Brasília uma discussão de quem manda em que, qual o papel do Ministério Publico, do Judiciário, do Parlamento, do Executivo. Tem uma missão inacabada que é a construção das instituições republicanas no Brasil.

Como se tudo isso não tivesse ficado claro ainda.

Isso mesmo, tem um problema de representatividade, de legitimidade, de reconhecimento das instituições repúblicanas, Isso tem a ver com a forma como essa República foi instalada. Tem um descolamento entre o discurso e a prática republicana. Os propagandistas republicanos prometiam formar cidadania, ampliar o direito do voto, respeitar as liberdades civis, direito de expressão, educar as pessoas, fazer reforma agrária e assim por diante. E essa República rapidamente se converteu em uma ditadura com Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Quando o poder volta aos civis com Prudente de Morais e Campos Sales é uma equação muito parecida com a do Império. Ou seja, um presidente que representa a aristocracia rural e tem o apoio dos fazendeiros, que eram os barões do café.

Ou seja, a República repete a estrutura no Império.

Sim. E tinha essa imensa massa de excluídos que são os analfabetos. O Brasil tinha 80% de analfabetos no ano da proclamação da República, os escravos tinham sido libertados no sano anterior e abandonados a própria sorte. O Brasil era um país muito pobre, muito rural e os excluídos ficam a margem do processo.

Em vários trechos de 1889 você registra o abandono dos africanos escravizados, que eram sempre vistos como um problema e para os quais não se fazia planos.

A escravidão é sempre vista como um problema a ser resolvido, não propriamente a mão de cobra cativa, mas a presença dos africanos na formação Brasil. Isso que hoje nos valorizamos, a herança africana como elemento de riqueza da nossa diversidade cultural, étnica e constitutiva da identidade nacional. No século 19, inclusive entre boa parte dos abolicionistas a escravidão era um problema. Joaquim Nabuco, o André Rebouças, mesmo José do Patrocínio que era mulato, eram intelectuais urbanos, que sabiam que o Brasil tinham uma herança inaceitável naquela altura do século 19. Mas em momento algum eles se empenham na tarefa de integrar os escravos a condição de cidadãos, de plenos direitos. A conquista era abolir a escravidão. Uma vez feita a lei Áurea, os escravos foram abandonados. Os abolicionistas se dispersam. Não há um movimento de continuidade do abolicionismo em favor da sorte dos ex-cativos e seus descendentes. Isso é uma coisa chocante. Aliás, eu explico isso no livro, que há um preconceito que se mantém, inclusive entre os intelectuais, como Machado de Assis, que era mulato, mas fazia de conta que não era. Logo depois da morte dele alguém fez uma elegia se referindo a ele como mulato e o Joaquim Nabuco disse que não, que isso era ofensivo. Era uma tentativa de esconder uma parte da formação da sociedade Brasileira.

No livro fica muito claro que surge essa fratura na sociedade.

E ao longo do século 19 há sempre essa preocupação com o branqueamento da população. Era preciso na medida do possível ir eliminando os vestígios dessa composição racial, herança da escravidão. É interessante como o negro é visto como um elemento que corrompe o que o Brasil poderia ser visto: um Brasil branco, europeu, católico.

Além de escravizado, o negro era considerado culpado?

Isso mesmo.

E isso faz parte da derrota da monarquia, que não conseguiu construir a cidadania?

O Império tinha sua base de sustentação na aristocracia rural escravagista. Não é a toa que, feita a Lei Áurea, um ano depois acaba a monarquia. Os barões de café, os fazendeiros, os senhores de engenho todos se tornaram republicanos imediatamente, até como uma vingança contra o Império porque eles queriam uma indenização pelos escravos libertos que não tiveram. É uma equação que só se mantinha graças à escravidão. A aristocracia rural dependia do trabalho cativo e o trono Brasileiro avalizava essa situação, esse status quo. Quando o trono mudou e se tornou abolicionista com a princesa Isabel, com a Lei Áurea, a monarquia caiu. Isso foi algo que me surpreendeu muito na pesquisa. A República se impõe menos pela força dos ideais republicanos do que pela fragilidade do Império. É como se a monarquia tivesse plantado a semente de sua proporia destruição. De várias formas. Em primeiro lugar, a guerra do Paraguai quando o Brasil ganha a guerra, mas cria-se ali um conflito enorme entre as forças armadas e o governo imperial porque os militares se consideravam desprestigiados depois do fim da guerra. Em segundo lugar, você tem um imperador que é tolerante, respeita a liberdade de imprensa e com isso dá uma tribuna para os propagandistas republicanos. Tem um problema sucessório, D. Pedro tinha como herdeira a princesa Isabel, que era mulher em um país machista. Ela era conservadora, profundamente católica, casada com um príncipe estrangeiro. Tem um imperador que era claramente republicano; isso aparece nas cartas para a condessa de Barral, em que ele diz que gostaria que o Brasil já estivesse pronto para a República. São ações do Império que vão inviabilizando a monarquia. É aí a República, que não tinha voto, que não conseguia eleger ninguém, embarca num projeto golpista do exército contra as autoridades imperiais e se impõe como fato consumado.

Ao falar de D.Pedro I você disse que ele era uma figura fascinante. E D. Pedro II?

É muito difícil você separar o ser humano real, em carne e osso, do mito que se criou em torno dele. O ser humano é fascinante. Esse "órfão da nação", esse menino deixado sozinho pelo pai no Rio de Janeiro em 1831, com apenas cinco anos de idade, casado por procuração com uma mulher que não era como ele esperava, um intelectual que amava as artes e as ciências, mas governava um país dominado pela escravidão, pelo analfabetismo, pelo latifúndio. Tem o mito D. Pedro, que é esse jovem imperador que é obrigado a envelhecer muito rápido, a ficar de barba branca, uma figura sisuda que veste casaca preta porque ele representa a autoridade do Império nos trópicos. E ele se deixa fotografar sempre com um livro na mão, com uma luneta porque ele projeta uma imagem do que o Brasil tinha que ser e não do que o Brasil era. Tinha uma miragem no Brasil que é esse país que se julga europeu, culto, alfabetizado, avançado na tecnologia, que se espelha na Europa, mas cuja realidade nas ruas era de escravidão, pobreza e analfabetismo. E o imperador personifica isso. É um senhor alto, de cabelos loiros, olhos azuis, branco. É um soberano austríaco num país de mulatos, escravos, índios e pobres. Ele é um símbolo dessa miragem que foi o Império Brasileiro.

Mas o próprio D. Pedro II convivia bem com isso.

Ele também tem essa contradição. Toda sua pregação era a favor da educação, da modernidade, da ciência, mas ele também governou confortavelmente um país de escravos e analfabetos por mais de meio século. Pode-se argumentar que foi o trono que fiz a Lei Áurea, mas D. Pedro conviveu bem com a escravidão e sabia que ela fazia parte da sua sustentação. É uma coisa melancólica, uma luta inglória a dele. As convicções não se convertem em polícias. D. Pedro se conforma com aquele jogo da nobreza, com a alternância de poder entre o partido liberal e o conservador.

Você se refere ao "mito de que as transformações políticas Brasileiras ocorrem de forma pacífica". Hoje você sente que as pessoas ainda acreditam nesse mito?

Isso está mudando. Esse é um mito criado pelo Império Brasileiro. Este é um país muito instável, muito complexo nas suas diferenças regionais, étnicas, culturais, que ameaça se desintegrar, cair em guerra civil, tem muita rebelião. Mas o imperador personifica esse pai bondoso que suaviza os conflitos, aglutina os interesses, pactua caminhos novos. Então um personagem como Duque de Caixas, que foi o homem que mais se envolveu em conflitos, na Sabinada, na Balaiada, na Cabanagem, na Revolução Farroupilha, na Guerra do Paraguai, mas ele entra na História como "o Pacificador" porque era essa a mitologia do Império. Isso na história oficial se converte no mito de que o Brasil é um país pacífico, em que tudo se resolve sem derramamento de sangue. Quando você olha para trás, isso não é verdade.

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