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Na última segunda-feira, Anselmo Duarte esteve em Curitiba para apresentar a cópia restaurada de O Pagador de Promessas. Falou com entusiasmo com a platéia que lotou a Cinemateca de Curitiba. Mostrou-se um grande contador de histórias, "felliniano", como gosta de se autodefinir. A alusão ao cineasta italiano Federico Fellini, que tinha a fama de ser mentiroso, não é gratuita. "Eu vou contando as histórias, mas fica sempre chato contar do mesmo jeito. Aí eu acabo melhorando-as", explicou.

Os "causos" de Anselmo Duarte têm um pé na realidade, no que de fato aconteceu, e outro na ficção, no próprio artifício de contar uma história, verdadeira ou não. Tanto melhor para aqueles que compareceram ao debate. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Duarte ao Caderno G antes da sessão.

Gazeta do Povo – O senhor é freqüentemente identificado por rótulos como "ex-galã" e "homem ressentido". Isso condiz com a realidade?

Anselmo Duarte – No passado, os críticos foram muito duros comigo. Crítico gosta de destruir. Foi dita muita coisa depois da Palma de Ouro que eu não achava justa, que abalou a minha carreira. Hoje, eles ligam para mim e dizem: "Olha o que eu publiquei no jornal, veja lá". Aqueles mesmos críticos que naquele tempo me criticavam, agora estão fazendo elogios.

Então existe uma espécie de redenção do meio cinematográfico e da crítica em relação ao seu legado para o cinema brasileiro?

Acho que sim. Mas agora é tarde demais. Naquela época eu fazia os filmes, concorria nos festivais e era escamoteado. Hoje não faço mais nada.

É verdade que o senhor se ajoelhou para pedir voto para Ely Azeredo durante o Festival de Berlim de 1965? N.R.: Duarte filmou Vereda de Salvação depois de O Pagador de Promessas. Todo vencedor da Palma de Ouro tem seu próximo trabalho imediatamente selecionado para concorrer em Cannes. Mas um aval necessário para oficializar o processo foi negado pelo Itamaraty. A comissão do governo também não queria indicar o filme para o Festival de Berlim. Havia informado à organização do festival que o diretor de O Pagador... tinha parado de fazer filmes. Vereda... acabou entrando por interferência direta da organização do evento. Perdeu o Urso de Ouro para Alphaville de Jean-Luc Godard por um voto. O membro brasileiro do júri, Ely Azeredo votou no longa francês.

Ajoelhar é apenas uma força de expressão. Mas eu falei com ele, sim. Pedi o voto, eu conversava com todos eles. Falei que era importante para o cinema brasileiro. Uma coisa é você chegar a um festival sem qualquer respaldo. Outra é vir amparado por um prêmio anterior. Toda a produção de um país passa a receber atenção, a ser valorizada. Criaria um precedente para todos aqueles que viriam depois. Seria um prêmio importante para todo o cinema brasileiro. Mas Azeredo não queria saber. Disse que era uma questão de integridade crítica, que ele tinha de ser coerente com ele mesmo. Esse pessoal era assim mesmo, não adiantava conversar, e olha que eu tentava.

O senhor considera Vereda de Salvação o seu melhor filme, não é?

Sim, é o meu melhor filme, pela maneira com foi realizado, pelo uso da técnica e da linguagem, sem planos e contra-planos. Também pelo tema, que eu gosto muito. É um filme maldito.

Quais são os seus cineastas preferidos?

Desses mais novos, que vem realizando os filmes mais recentemente, gosto muito do trabalho do Walter Salles. As pessoas ficam criticando, dizendo que ele é rico, filho de banqueiro. Mas ele não tem nada a ver com os negócios do pai. Nem comercial para empresas da família ele faz. É porque quem é rico no Brasil tem de ser burro. Mas se é rico e inteligente, qual é o problema? Os filmes dele são muito bons.

O que teria a dizer para quem está começando agora, a quem deseja ser cineasta?

Que, em primeiro lugar, é preciso saber o que vai filmar. Precisa primeiro de uma boa idéia, ter uma história para contar. O Pagador foi uma idéia que tive, uma uma história antes de tudo: a adaptação da peça de Dias Gomes. Caso contrário, não adianta o domínio da técnica. Depois você precisa conhecer a linguagem, é necessário saber escolher o enquadramento certo, a luz, para narrar bem a sua história. Teve essa moda recente de tremer a câmera, era tudo tremido o tempo todo. Eu não gosto disso. Não digo que você não pode usar a câmera fora do tripé. Em uma briga, um cena de confusão, você usa a câmera na mão porque o movimento vai transmitir aquilo. Mas se você filma uma mulher pensando, não dá para tremer. Fixe a câmera em um tripé.

O senhor voltou a receber propostas para voltar a trabalhar no cinema ou na televisão?

Um monte. O governo está com vários incentivos, dando dinheiro para projetos. Tem várias leis agora, não é? Então muita gente mais nova vem conversar comigo: "Vamos lá, Anselmo, a gente vai conseguir uma grana para fazer, você pode ficar com tanto". São esses jovens que nunca fizeram um filme e estão tentando aprovar seus projetos. Eu não preciso de dinheiro. Tenho o suficiente para até o resto da minha vida e ainda posso deixar herança para os filhos. Eu não preciso disso. Eles sabem que, com o meu prestígio, com o meu currículo, eles conseguem aprovação. Eles estão atrás do dinheiro, mas eu não. Não quero.

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