• Carregando...

"A ilha", de Michael Bay ("Armageddon", "Pearl Harbor") com Ewan McGregor("Guerra nas estrelas eps. 1,2 e 3") e Scarlett Johannson ("Encontros e desencontros"), permite leituras diversificadas. É o velho filme de perseguição com todos os clichês do gênero, sempre dando sustos nos perseguidos e na platéia, abusando de explosões e decibéis em 5.1. É uma alegoria sobre a manipulação de indivíduos pelo sistema capitalista, uma reserva de mão-de-obra ao sabor do poder, não o governo, mas os interesses acima dele. Trata-se de uma denúncia sobre a falta de ética deste mesmo sistema, no qual empresas inescrupulosas tudo fazem pelo lucro.

O longa, que estréia sexta-feira no Brasil, fracassou nos Estados Unidos, faturando US$ 17,8 milhões em duas semanas, uma merreca para uma produção de US$ 122,2 milhões, fora o marketing. Resta agora catar níqueis nos mercados periféricos como o Brasil e torcer depois para uma performance melhor em DVD.

Vamos à história: milhares de cidadãos vivem confinados numa instalação subterrânea, supostos sobreviventes de uma catástrofe mundial que tornou o planeta inabitável. Todos têm esperança de um dia serem sorteados para o único lugar isento de contaminação, onde poderão desfrutar da natureza: a ilha. Enquanto isso, vivem num ambiente rigorosamente controlado de fazer inveja ao Grande Irmão de George Orwell em "1984".

Homens e mulheres são separados; contatos pessoais, desencorajados por seguranças mal encarados. O controle desce aos mínimos detalhes: até a urina é analisada assim que bate no vaso, quando um computador anuncia mudanças na dieta para corrigir um desequilíbrio qualquer. Tudo muito certinho e tedioso como a vida de Truman Burbank (Jim Carrey) em "The Truman show."

A verdade é outra: Ewan é Lincoln Six Echo e Scarlett, Jordan Two Delta, ambos clones de pessoas reais, criados nos laboratórios da empresa Merrick Biotech, do inescrupuloso empresário/cientista Henry Merrick (Sean Bean). Ele oferece aos poderosos a chance de viver mais 70 anos graças a clones replicados do DNA de cada um, verdadeiras apólices de seguro vivas: quando o cliente precisa de um órgão, o clone é sacrificado. A brincadeira custa US$ 5 milhões e a empresa diz aos clientes que os clones ficam em estado vegetativo, nem de longe são alguma coisa parecida com indivíduos de carne e osso. É mentira. Em suspensão, os órgãos se deterioravam, daí a saída foi desenvolver indivíduos, como explica Merrick.

Clones programados para a submissão, mas a classe Six Echo começa a desenvolver anseios, exatamente como os replicantes Nexus 6 (coincidência de números?) de "Blade Runner". Lincoln descobre que a ida para a ilha na verdade é o sacrifício para a retirada de órgãos e, quando Jordan é sorteada, ele a arrasta numa fuga desesperada rumo a Los Angeles, onde esperam conseguir ajuda das pessoas de quem são clones. Como os replicantes chefiados por Roy Batty em "Blade runner", Six Echo e Two Delta querem viver e se deslumbram ao conhecer o mundo exterior e sentimentos antes encubados, como o amor. Em "Blade runner", há apenas um perseguidor, em "A ilha" é um pelotão de mercenários hiper equipados, sob o comando de um ex-integrante das forças especiais francesas, Albert Laurent, vivido pelo ator africano Djimon Hounsou. Daí rolam os tais clichês de perseguição, com os clones saindo ilesos de situações impossíveis até um previsível final feliz. A ação se passa em meados do atual século, época escolhida por conta dos progressos da ciência, com a clonagem humana já à vista em horizonte não muito distante. Os donos do mundo têm um "inimigo" à prova de suborno ou de aquisição: a morte. Deve ser muito frustrante para quem tudo pode nesta vida saber que com a morte não tem jogo. Daí, nada mais natural que sejam os primeiros a desfrutar de meios para prolongar sua presença sobre o planeta.

Com o avanço da robótica e a clonagem de humanos, muita coisa poderá acontecer, como Hollywood já antecipou. As inevitáveis aplicações bélicas farão combatentes como o GR44 de Jean-Claude Van Damme e o GR13 de Dolph Lundgren em "Soldado universal", com implantes para maximizar sua eficiência, andróides quase super homens como Roy Batty, aberrações tipo Robocop e ainda exércitos de clones a la "Guerra nas estrelas". Aos que aspiram um mundo onde as mulheres "sabem seu lugar", as esposas perfeitas de "The Stepford wives" ou filhos disciplinados e amorosos como em "Inteligência artificial". Substituir homens por clones pode ser uma aspiração de quem deseja uma sociedade submissa, como acontece em "O sexto dia", estrelado pelo atual governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger.

Máquinas inteligentes que dominam seus "imperfeitos" criadores é a hipótese levantada na série "O exterminador do futuro". E ainda no recente "Eu, robô", quando um supercomputador, a quem ironicamente dão identidade feminina, descobre que as leis da robótica, de um robô sempre proteger um ser humano, só podem ser aplicadas com a submissão do ser humano, porque humanos vivem se destruindo, daí a única chance de preservá-los é protegê-los de si mesmos. A ciência caminha a passos largos para transformar a ficção em realidade. Nossos netos, bisnetos e tataranetos que se cuidem.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]