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“Esse foi o problema da escolha de um personagem psicótico na narrativa. Para que a história não se tornasse um peso para o leitor, lancei mão de um certo humor na forma de narrá-la.” | Divulgação
“Esse foi o problema da escolha de um personagem psicótico na narrativa. Para que a história não se tornasse um peso para o leitor, lancei mão de um certo humor na forma de narrá-la.”| Foto: Divulgação

Com um texto fluido e envolvente, para "não cansar o leitor", como ela mesma disse em entrevista à Gazeta do Povo, Livia Garcia-Roza lança seu 16.º livro, O Sonho de Matilde, pela editora Record.

O romance trata de um dos temas valiosos da obra de Livia: as relações familiares. A ação se passa no Rio de Janeiro dos anos 1960 e acompanha o cotidiano da família Moreira.

A certa altura, o clã capitaneado pelo pai orgulhoso, que trabalha na Caixa Econômica Federal, sofre um trauma ao ver que um de seus membros é psicótico.

Livia atuou como psicanalista durante anos, mas hoje se dedica à literatura com exclusividade. É autora de Milamor (finalista do Prêmio São Paulo de Literatura), Cine Odeon (finalista do Prêmio Jabuti), Meu Marido e de vários outros títulos.

Coincidência, seu marido, Luiz Alfredo Garcia-Roza, também deixou a psicanálise pelas letras e se tornou conhecido pelos romances policiais do detetive Espinosa.

Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Livia fala do Rio de Janeiro, da fantasia que alimenta a família e conta que está relendo A História da Loucura, de Foucault.

Existe um escritor nos Estados Unidos, chamado Jonathan Franzen, que também escreve romances centrados em famílias e, a partir delas, cria retratos contundentes da época atual – foi assim com As Correções e Freedom (ainda inédito no Brasil). Você também se interessa pelas relações familiares, presentes em O Sonho de Matilde. Na sua opinião, essas relações ainda podem revelar algo sobre a maneira como vivemos?

Não li Jonathan Franzen, embora o conheça de nome, mas, tal como ele, meus romances também são centrados nas relações familiares. O tema dos conflitos familiares é inesgotável. Sabemos que os conflitos derivam do fato de sermos feitos de desejo, e que esse desejo é fundamentalmente conflitante porque transgressivo. No entanto, a família alimenta também a fantasia da harmonia tribal. Essa polaridade é o eixo no qual se inscreve a vida familiar.

Certamente que podem. Não apenas podem como é provavelmente a fonte mais rica.

O texto do seu novo livro é envolvente e também veloz, capaz de gerar aquele efeito que muitos autores perseguem, mas poucos alcançam: o da leitura que faz você esquecer que está lendo. Como você encontrou a voz da narradora?

Tenho o cuidado de não cansar o leitor, e isso talvez reflita no ritmo em que a história é narrada. Quanto à voz da narradora, acho que somos feitos de várias vozes. A voz da narradora surgiu espontaneamente, sem ter sido fruto de nenhuma busca específica.

Uma das personagens da história é psicótica. Por que decidiu escrever sobre esse tema e que tipo de problema essa escolha impôs?

A loucura é uma manifestação limite do espírito humano, que talvez permaneça como um enigma. Além de não a dominarmos, ela nos domina. Tal como o amor, a morte e a sexualidade, é um dos grandes temas da literatura. Estamos sempre às voltas com o que nos aflige. No livro, a família é atingida pela doença de uma de suas filhas. A psicose nunca atinge um só membro de uma família, ela desestrutura a totalidade do ambiente familiar. Esse foi o problema da escolha de um personagem psicótico na narrativa. Para que a história não se tornasse um peso para o leitor, lancei mão de um certo humor na forma de narrá-la.

O Rio de Janeiro também é um "personagem" importante de O Sonho de Matilde. A certa altura do livro, alguém diz: "O Rio de Janeiro é lindo, mas dá medo". Essa seria, de alguma forma, a sua visão da cidade?

Toda grande cidade fascina e amedronta. O Rio é, por um lado, beleza pura, por outro, puro susto. Não difere muito de outras metrópoles, a não ser no que concerne à beleza. Não à toa é chamado de Cidade Maravilhosa.

Você é casada com Luiz Alfredo Garcia-Roza (para quem O Sonho de Matilde é dedicado), escritor que também tem experiência profissional ligada à psicanálise. Os dois deixarem a psicanálise para escrever ficção foi uma coincidência ou ambos planejaram essa guinada literária?

Não foi uma viagem planejada. Digamos que foi uma feliz coincidência.

Poderia falar um pouco sobre um livro que leu recentemente ou que está lendo no mo­­mento?

Estou relendo um livro teórico: A História da Loucura, de Michel Foucault, no qual ele faz a história da loucura na idade clássica. É uma descrição fascinante. É a história de como a loucura foi apropriada por diversos saberes — religioso, jurídico, médico — e das várias formas de exclusão do louco. O capítulo sobre a nau dos insensatos (Stultifera navis) é primoroso. No limite, a casa familiar funciona como uma alegoria da Stultifera navis.

Serviço:

O Sonho de Matilde, de Livia Garcia-Roza. Record, 160 págs., R$ 32,90.

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