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Dorothy (Judy Garland) e o Espantalho (Ray Bolger): filme infantil para todas as idades | Divulgação
Dorothy (Judy Garland) e o Espantalho (Ray Bolger): filme infantil para todas as idades| Foto: Divulgação

Os 75 anos de três clássicos

O Caderno G Ideias deste sábado discute um trio de produções lançadas em 1939, todas indicadas ao Oscar de melhor filme, que se tornaram obras referenciais para a sétima arte

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O primeiro filme a gente nunca esquece. Esqueci totalmente o meu, O Mágico de Oz. Só o vi de verdade em Londres, aos 25 anos, quando lançaram a cópia restaurada. O Mágico de Oz é de 1939 – devem ter-me levado ao cinema ainda muito criança... Mas algo, ou muito, ficou no inconsciente, para sempre. Por trás de todo grande filme há sempre uma grande canção. "Over the Rainbow" é uma de minhas favoritas – e também dos jazzistas que amo. Expressa o anseio da criança incompreendida de encontrar um lugar sem conflitos, um mundo de paz. ("Imagine", de John Lennon, ecoaria também esse sentimento.) Diz a bela música de Harold Arlen, com letra de Edgar Yip Harburg, vencedora do Oscar: "Em algum lugar além do arco-íris/ O céu é azul/ E os sonhos que a gente ousa sonhar/ Lá se tornam realidade."

O Mágico de Oz foi também o primeiro filme (e "primeira influência literária") de Salman Rushdie, britânico nascido na Índia, que escreveu um livro a respeito: "Sua força motriz é a incapacidade dos adultos, até dos bons adultos. A fraqueza deles obriga as crianças a tomarem as rédeas de seu próprio destino e, ironicamente, se tornarem adultos também." Rushdie – e eu também – não partilha a visão convencional de que o filme, com seu "espírito anárquico", termine com uma reconfortante volta ao lar. Ao contrário, diz ele, "Oz fala ao exilado, mostrando que a imaginação pode se tornar realidade e que o único lar possível é aquele que nós mesmos construímos." Na heroína Dorothy germinam já o "homem revoltado" e o "rebelde sem causa" que se insurgiriam contra o Sistema: dos contestadores e hippies dos anos 60 aos ­black blocs de hoje.

Inspiração

Esta obra-prima que virou cult não nasceu do nada. Sua inspiração foi o livro The Wonderful Wizard of Oz/ O Maravilhoso Mágico de Oz, publicado em 1901, por uma curiosa figura, L[yman] Frank Baum (Chittenango, Nova York, 1856 –Los Angeles, 1919). Descendente de alemães, seu pai enriqueceu explorando petróleo. Enfurnou o filho sonhador numa academia militar, para "enrijecê-lo", mas uma crise cardíaca trouxe o rapaz de volta à casa. Com uma pequena impressora publica um Jornal do Lar, um jornal para colecionadores de selos, um jornal para criadores de galinhas, entre os quais se inclui. Faz teatro, como autor e ator, mas perde dinheiro e se decepciona. Aos 26, casa com a filha de uma líder sufragista. O casal vai morar em Dakota do Sul. Baum abriu uma loja, faliu; dirigiu um jornal, faliu. A família se muda para Chicago. Os dez anos em Dakota inspiraram sua descrição do Kansas em O Maravilhoso Mágico de Oz. A obra também foi fortemente influenciada pela nova crença de Baum, o teosofismo, mistura de filosofia e religião. Em 1897, aos 41 anos, Baum encontra finalmente seu caminho: publica Mamãe Ganso em Prosa, uma coleção de rimas. O livro faz sucesso e lhe permite deixar o trabalho de vendedor ambulante.

Em 1901, com o ilustrador W. W. Denslow, lança O Maravilhoso Mágico de Oz, best seller durante dois anos. Baum escreveria mais 13 livros sobre a terra de Oz. Logo depois, O Mágico de Oz é transformado em musical de sucesso na Broadway, de 1902 a 1911, com direito a turnê nacional. O livro também mereceu duas versões no cinema mudo, em 1910 e 1925 (Oliver Hardy, o Gordo, era o Homem de Lata). Pouca gente se dá conta de que O Mágico de Oz, o filme que conquistaria o imaginário do século 20, já era encenado décadas antes em outros palcos e outras telas – com Dorothy, o Homem de Lata, o Leão Medroso e o Espantalho configurados como aparecem no filme de 1939.

Em 1938, quando o livro ultrapassou o primeiro milhão de exemplares, a MGM comprou os direitos de adaptação. O roteiro, feito em dez meses, envolveu dez escritores (só três creditados). Judy Garland ganhou o papel de Dorothy em fevereiro de 1938. Alguns executivos da MGM queriam trocá-la por Shirley Temple, mas a Fox não liberou a atriz mirim de dez anos. Era preciso "ameninar" a adolescente Judy, de 16 anos. O vestidinho jardineira xadrez, a blusinha branca e a meia soquete ajudaram. E então o hair stylist Sydney Guilaroff criou as famosas trancinhas. Filho de judeus russos, nascido em Londres, Guilaroff criou penteados icônicos, como o estilo "capacete" de Louise Brooks, a franjinha de Claudette Colbert e avermelhou os cabelos de Lucille Ball. Num jato fretado, foi a Mônaco fazer o penteado nupcial de Grace Kelly.

A direção de O Mágico... é uma história confusa de troca-trocas: Richard Thorpe dirige duas semanas; assume George Cukor que, três dias depois, larga Oz porque tinha um compromisso anterior com ...E o Vento Levou e deixa o cargo para Victor Fleming, que será o diretor creditado. Ironicamente, em fevereiro de 1939, Victor Fleming substitui George Cukor de novo, agora na direção de ...E o Vento Levou. No dia seguinte King Vidor assume a direção de Oz para terminar as filmagens (basicamente as cenas em preto e branco do Kansas). Assim funcionava o Studio System de Hollywood, como uma linha de montagem...

Um "ator" aparece no filme quase tanto quanto Judy Garland, Toto, o cachorrinho. (Tão popular no Brasil que "totó" virou sinônimo de cão.) Pois bem: Toto era uma cadela! Uma Cairn terrier do treinador de animais Carl Spitz chamada Terry (1932-45). Já em seu segundo filme, Olhos Encantados, com Shirley Temple, Terry brilhou. Fez 15 filmes, em 13 anos. No Mágico, seu cachê era de US$ 125 dólares semanais, o dobro do de cada anãozinho dos Munchkins.

Filmado em sépia (as cenas do Kansas) e em cor (a terra de Oz), o Mágico usa efeitos especiais, sofisticados para a época, que acentuam a atmosfera de magia e sonho. Particularmente notável é a cena da casa voando, em que a janela arrombada pelo vento se transforma em tela de cinema para Dorothy – uma tela dentro da tela.

O livro foi publicado na recessão de 1900; o filme saiu no final da depressão econômica dos 1930, quando as revistas de amenidades, o rádio e o cinema eram as fontes de entretenimento mais acessíveis. Hollywood era a "fábrica de sonhos". Filme infantil para todas as idades, O Mágico de Oz sobreviveu bravamente aos modos e modas dos últimos 75 anos. Não só resistiu ao choque cultural, mas rejuvenesce a cada ano que passa.

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