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Gonçalo M. Tavares: mosaico da vida urbana | Divulgação
Gonçalo M. Tavares: mosaico da vida urbana| Foto: Divulgação
  • Romance Matteo Perdeu o Emprego Gonçalo M. Tavares. Foz Editora, 159 págs., R$ 34,90

Um dos escritores mais prolíficos e originais da língua portuguesa, Gonçalo M. Tavares faz uma literatura que, elíptica e concisa, é bastante aberta a interpretações críticas. Em seu novo romance, Matteo Perdeu o Emprego, ele inova por apresentar um livro que é parte ficção, parte ensaio sobre essa mesma ficção.

Mais recente trabalho do autor publicado no Brasil, Matteo Perdeu o Emprego estrutura-se em duas metades. Na primeira, ficcional, Tavares reúne 26 fragmentos narrativos, ordenados pela ordem alfabética dos nomes dos protagonistas. Aaronson é um homem que, durante anos, gasta meia hora andando a pé todas as manhãs por uma rótula de tráfico (ou uma "rotunda", no português luso do romance), até que, ao mudar o sentido em que sempre caminha, é atropelado. A trama então pula para Ashley, o homem que o atropelou, deste para Baumann, e assim sucessivamente até o Matteo que perde o emprego do título, cuja história faz contato com outro personagem, Nedermayer, que acena para o início do romance, embora não complete um círculo com o Aaronson do início.

A segunda metade do livro, intitulada "Notas sobre Matteo Perdeu o Emprego", constitui-se em um posfácio crítico no qual Tavares discute alguns dos temas e recursos recorrentes na narrativa que apresentou anteriormente, entre eles o próprio uso da ordem alfabética para organizar as histórias. Segundo ele, a ordem convencional do alfabeto, tomada sempre como uma questão indiscutível, é ela própria extremamente arbitrária.

"Uma das coisas importantes para mim foi a ideia de que o alfabeto é qualquer coisa de aleatória. Por exemplo, se pensarmos na enciclopédia, com os temas ordenados pelo alfabeto, o impressionante é que essa ordem é quase surrealista. Pode-se juntar na letra "C" a palavra "comboio" e a palavra "costura". Ou seja, só por ser a mesma letra, palavras que não têm nada a ver uma com a outra podem estar juntas ou em sequência. Mas respeitamos essa lógica como se fosse divina, e não humana", comenta Tavares em entrevista por telefone.

Labirinto urbano

De certo modo, Matteo Perdeu o Emprego é uma síntese de duas vertentes da carreira de Tavares. As associações entre personagens e o tom entre o absurdo e o pesadelo de alguns episódios lembram sua série O Bairro, em que personagens como os senhores Henri ou Valéry encarnam conceitos abstratos. Ao mesmo tempo, há uma prosa densa e uma linha de personagens que se entrecruzam como em seus romances mais conhecidos, a exemplo de Jerusalém, vencedor do Prêmio Portugal Telecom.

Ao unir seus personagens uns aos outros por circunstâncias casuais e fortuitas, às vezes bizarras, às vezes realistas, Tavares também faz de seu mosaico um comentário sobre a vida urbana. Cada uma das criaturas criadas pelo autor se cruza em situações do cotidiano da cidade: em estradas, supermercados, hotéis de baixa categoria, portos, escolas.

"Vejo a cidade como se fosse uma máquina composta de vários cruzamentos que mais não fazem do que separar as pessoas: uma dobra para um lado, outra para o outro. Vão aparecendo cruzamentos sucessivos, e o que eu sinto é que os vários caminhos, os vários cruzamentos, são maneiras de ir separando multidões até que se tem uma única pessoa em seu lugar", diz.

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