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O casal Neyde Thomas e Rio Novello  em 1970,  durante uma temporada de La Traviata, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro | Reprodução
O casal Neyde Thomas e Rio Novello em 1970, durante uma temporada de La Traviata, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro| Foto: Reprodução
  • Rio Novello hoje continua a tarefa da esposa: formar novos cantores

A voz enorme de barítono quase sumiu em frente à plateia que lotava o Teatro Guaíra naquele domingo, 8 de janeiro, à noite, durante a cerimônia de abertura da 30.ª Oficina de Música de Curitiba. Perto dos 86 anos, depois de cantar dezenas de vezes as obras mais difíceis do repertório operístico ao longo de uma carreira premiada, Rio Novello teria apenas que dizer algumas palavras na tribuna. Mas fora chamado para fazer uma homenagem a Neyde Thomas, sua esposa e respeitada cantora lírica falecida no ano passado. "Não dá", revelou, dias depois, ao fim de uma aula da oficina de Opera Stúdio no Guairinha. Por trás das lentes grossas dos óculos, o olhar triste surge fulminante ao tocar no assunto, com expressividade de cantor de ópera, e a voz ganha contornos quase infantis, apesar do porte físico e timbre corpulentos. "Foi mais um choro", diz Rio, que se limitou a falar na homenagem sobre como ele e todos os alunos de Neyde haviam ficado órfãos. "Isso vai durar por todas as vezes. É a mesma coisa para todos esses alunos que vieram de Norte a Sul. Toda vez que se fala no nome dela é aquela comoção. Faz uma falta essa menina!"

Passado

A menina a que se refere Rio surge a todo momento em uma memória rica em detalhes, que o barítono italiano radicado no Brasil desde os anos 1950 conta com graça (e com o forte sotaque que não chegou a perder). Ele começou sua carreira em Assis, na Itália, onde cantava no coro da Porciúncula – igreja que foi restaurada por ninguém menos que São Francisco. Depois de ganhar o ouro no concurso "Il Microfono É Vostro", da emissora Radiotelevisione Italiana (Rai), Rio foi descoberto por uma jornalista da Rádio Gazeta, em São Paulo, que o trouxe para passar uma temporada de três meses no Brasil, em 1952. Ali, conheceu Neyde Thomas. "Pronto. De três meses, virou 60 anos de Brasil", diz Rio, que passou a integrar o elenco fixo da emissora, em uma época em que algumas rádios contratavam de solistas a orquestras sinfônicas.

"Tipo galã à Marcello Mastroiani", conforme conta o maestro Júlio Medaglia no livro Neyde Thomas: Vida e Obra (2010), o italiano conquistou a soprano, com quem se casou em 1955. Casório que teve direito a atraso do noivo – razão pela qual Neyde aparece chorosa nas fotos da cerimônia. "A culpa foi minha, mas também dos padrinhos", justifica-se. "Acabaram botando a culpa na vovó. Mas ela não tinha culpa", conta Rio. O culpado, quem diria, já em 1955, foi o trânsito paulistano entre os bairros Bixiga e Perdizes.

No fim dos anos 1950, o casal já era conhecido e admirado no mundo musical. Por vezes cantaram juntos; por vezes, Rio atuou como empresário de Neyde, viajando à frente dela para organizar os detalhes. Mudaram-se para a Europa na década de 1960 e só nos anos 1970 é que voltaram ao Brasil. Suas carreiras internacionais se tornaram sólidas, com a soprano ficando cada vez mais conhecida. E com Rio cantando no famoso Scala de Milão, além de muitos outros teatros em todo o mundo – Berlim, Nápoles, Filadélfia, Tel-Aviv, Marselha, Istambul, Caracas, Bogotá, Belgrado, São Paulo e Rio de Janeiro. Até, finalmente, o casal chegar a Curitiba, em 1989, quando passou a dar aulas no núcleo de ópera da Oficina de Música. Neyde e Rio jamais pararam.

Futuro

Esparramado em uma cadeira, de costas para o espelho da sala de ensaios do Balé Guaíra, Rio assiste ao treino de um de seus alunos. "Assim você quebra a coluna de ar", orienta, atento à respiração do jovem cantor. "Coloque os pés firmes no chão!", diz o professor, acompanhado do fiel correpetidor Joaquim do Espírito Santo.

Ao falar sobre as aulas, Rio traz o nome de Neyde novamente. Diz que, ao continuar ensinando, continua o trabalho dela – principal tarefa a que vem se dedicando, embora ainda seja chamado para cantar árias de Colombo, de Carlos Gomes (1836-1896), de vez em quando. "Mas é um pouco pesado para mim", explica, e reforça a urgência de lembrar o legado da esposa – responsável por fazer da cidade um polo de canto lírico.

Por isso, já puxou de lado o prefeito Luciano Ducci durante a abertura da Oficina e entregou um livro sobre a vida de Neyde para sensibilizá-lo. Rio sugere que o pequeno auditório do Teatro Positivo, onde fez óperas com a esposa, passe a levar o nome dela. E quer que a ampla casa de esquina em que mora com as filhas e a cunhada, no Bacacheri, se torne a Fundação Neyde Thomas – apesar da cobiça do mercado imobiliário, que vê ali mais um empreendimento de altos lucros em potencial.

"Quero eternizar o nome da Neyde porque ela merece", diz Rio, sem esconder o apego à saudade e elogioso ao ponto de parecer se esquecer do talento brilhante que o levou até ela, naqueles saudosos anos de uma ópera gloriosa. "Tive uma imensa sorte de ter essa esposa, que virou uma artista famosíssima."

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