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Miles Davis durante as gravações de Kind of Blue, em 1959: jazz modal inovou na estrutura e na estética do gênero | Divulgação
Miles Davis durante as gravações de Kind of Blue, em 1959: jazz modal inovou na estrutura e na estética do gênero| Foto: Divulgação

DVD

O melhor do gênio em Montreux

O suíço Claude Nobs, criador do Montreux Jazz Festival, tinha uma regra de ouro: nunca convidar um artista para tocar em duas edições consecutivas. A norma, que funcionou bem ao longo de 18 anos, foi deixada de lado por causa de Miles Davis. Entre 1984 e 1991, o trompetista apresentou-se sete vezes no festival. Live at Montreux – Highlights compila o melhor dessas apresentações e ainda acrescenta um trecho da primeira aparição do músico norte-americano no evento, em 1973. Na ocasião, Miles comandou uma versão de "Ife" repleta de elementos do rock e do funk e que ainda exibia forte influência da psicodelia de Jimi Hendrix. Os shows da década de 1980, dominados pelos sintetizadores, marcam também uma época em que ele voltava a aparecer em público após um período de grande reclusão.

Anos após abandonar sua regra para a escalação do festival, Nobs convenceu Miles a quebrar outro tabu. O produtor queria que o trompetista revisitasse um clássico – algo que ele se recusara a fazer ao longo de toda a carreira. Em julho de 1991, apresentaram em Montreux Sketches of Spain (1960), álbum obrigatório do jazz que Miles compôs ao lado do arranjador Gil Evans. Apesar da saúde visivelmente debilitada do músico, o show é um momento marcante, em que é possível ver Miles gradualmente ficando à vontade ao lado da orquestra comandada por Quincy Jones.

Na edição brasileira do DVD, faltou um pouco mais de cuidado. Não há legendas em português para o conteúdo extra (uma entrevista com o guitarrista Carlos Santana) e a reprodução de oito pôsteres do festival de Montreux fica escondida na embalagem de plástico translúcido. GGGG

Serviço:

DVD Live at Montreux – Highlights, 1973-1991. Miles Davis. ST2 Vídeo. Preço médio: R$ 34,90. Jazz.

João Paulo Pimentel

Miles Davis deixou este mundo há 20 anos. Até o dia de sua morte, encabeçou diversos movimentos vanguardistas de vertentes do jazz – alguns ganharam o reconhecimento da crítica musical, outros só não passaram completamente em branco graças ao nome do trompetista. Uma coisa é certa: nenhuma das experimentações que Davis ou qualquer outro músico de jazz realizou no século 20 se compara à genialidade de Kind of Blue, o álbum de estúdio com seis faixas lançado em agosto de 1959 que abalou para sempre as convicções da música de todo o planeta. Pelo menos é isso que tenta demonstrar o crítico musical Richard Williams em seu livro Kind Of Blue – Miles Davis e o Álbum que Reinventou a Música Moderna, publicado pela editora Casa da Palavra.

A mística criada em torno desse álbum – que contou com os saxofonistas John Coltrane e Cannonball Adderley, os pianistas Bill Evans e Wynton Kelly, o baixista Paul Chambers e o baterista Jimmy Cobb – se dá não só pela equipe privilegiada de excelentes músicos, mas também por marcar os primeiros passos do jazz modal, um estilo característico criado pelo próprio Miles em seu disco anterior, Milestones. Williams explica no livro como o jazz modal de Kind of Blue fez com que um disco de jazz pela primeira vez se revelasse soturno e introspectivo, deixando para sempre a faceta de música passiva e de puro entretenimento. A melancolia e a profundidade emocional sugerida pelas canções teriam influenciado gerações de músicos, que vão dos compositores minimalistas Terry Riley e Philip Glass a bandas de rock modernas como Talking Heads e U2.

Não falta literatura que se proponha a estudar Kind of Blue. O próprio autor cita dois livros conceituados sobre o assunto: Kind of Blue – A História da Obra-Prima de Miles Davis, do jornalista americano Ashley Kahn (editora Barracuda, 2007) e The Making of Kind of Blue: Miles Davis and His Masterpiece, de Eric Nisenson (editora St. Martin’s Press, ainda sem tradução no Brasil). Para tentar fugir ao recorte histórico proposto por esses dois autores, Williams preferiu uma análise mais subjetiva: além de abordar cada faixa do álbum, busca significado no título do livro, em especial na cor azul (blue, em inglês), e cria um glamour sobre os apartamentos Rockfeller, em Manhattan, frequentados por Gil Evans, Gerry Mulligan, Charlie Parker e pelo próprio Miles Davis – uma espécie de Batêau Lavoir da música moderna.

Mensurar a influência de um disco na história da humanidade é uma tarefa praticamente impossível, e o autor, ciente do fato, ateve-se a focos específicos no livro. Porém, a análise proposta beira o abstracionismo e coloca sobre cada elemento da obra um peso muito maior do que realmente há – algo que acontece quando a paixão pelo objeto de estudo inflama os mínimos detalhes e a obra deixa de ser algo belo para adquirir uma essência etérea e divina. Kind of Blue – Miles Davis e o Álbum que Reinventou a Música Moderna satisfaz a curiosidade e o ego dos fãs do disco, mas fora isso foge muito pouco dos outros livros já escritos sobre o assunto. GG

Serviço:

Kind of Blue – Miles Davis e o Álbum que Reinventou a Música Moderna, de Richard Williams. Tradução de Fal Azevedo. Casa da Palavra, 228 págs. Preço médio: R$ 39,90.

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