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 | Zé Gabriel Lindoso/ Divulgação
| Foto: Zé Gabriel Lindoso/ Divulgação

Opinião

O ourives da nova MPB

Cristiano Castilho, repórter da Gazeta do Povo

Como é bom ouvir Chico Pinheiro tocar. Não seria nenhum exagero colocá-lo como um dos maiores compositores brasileiros atuais porque todas as suas boas influências se revelam com uma naturalidade impressionante que encontra morada em uma técnica singular.

Sua voz suave homenageia George Gershwin em "Our Love Is Here to Stay". A melodia elegante encontra reparos em interlúdios bem-vindos de violão – boa sacada de Pinheiro. "Boca de Siri" demonstra a minuciosidade do compositor, que gravou a música com dois baixos – um acústico, outro elétrico, criando um efeito impressionante. Já "There’s a Storm Inside" é uma canção leve que encontra contraponto na interpretação forte de Dianne Reeves.

A instrumental "Mamulengo" é o ponto alto do disco. Como um mago, Pinheiro resgata o requinte da simplicidade, algo quase esquecido da música popular brasileira, e mescla a melodia a pitadas de jazz contemporâneo. A alquimia é arrebatadora. "Recriando a Criação" quase passa despercebida até que chega a voz de Luciana Alves, que se supera. "Flor de Fogo" sugere algo etéreo, até que Bob Mintzer põe tudo abaixo com seus solos de saxofone.

"Sertão Wi-Fi" começa com uma gravação de rua, em uma feira em São Paulo. O pernambucano Zezinho Pitoco canta uma espécie de prólogo – "É só um ‘oio’ d’agua, só um riachinho" – até que a música desabrocha e revela a mais pura canção brasileira.

No samba-choro "Um Filme", novamente o cuidado de um ourives: os baixos são invertidos e criam uma agradável sensação que com a única letra de Pinheiro no disco. "Eu nunca soube que era sozinho/ até te ver rodopiar", canta ele, com sua voz comportada.

Já "As", de Stewie Wonder, é um prato cheio para a interpretação de Dianne Reeves e para o sax tenor de Bob Mintzer, não à toa dois dos excelentes músicos que consagram uma verdadeira obra-prima, a masterpiece de Chico Pinheiro. GGGG

Serviço: Flor de Fogo. Chico Pinheiro. Jazz/ MPB. CT Music/Atração. R$ 29,90.

Há um momento simbólico em Flor de Fogo, quarto disco de Chi­­co Pinheiro. "Mamulengo", quarta faixa do álbum, é uma espécie de maracatu em que o violonista despeja também toda sua técnica vocal, com a qual ele faz lembrar as ladainhas de algum rincão do interior brasileiro. Piano e bateria, então, surgem como de outro mundo e fazem uma cama jazzística arredondada com as improvisações do sax tenor de Bob Min­­t­­zer. A mistura refinada re­­sume o novo trabalho do instrumentista e arranjador paulistano, que desponta como uma das referências da nova música popular brasileira.

Aos 35 anos e com três discos lançados, Pinheiro já foi reconhecido por gigantes como Edu Lobo, Moacir Santos, Brad Mehldau e Cesar Camargo Mariano. Sua originalidade e maturidade musical é escancarada em Flor de Fogo, disco lançado simultaneamente pelo selo japonês CT Music em 35 países e que colhe críticas positivas na maioria absoluta deles.

"Meu pai me falou que temos de encarar o fracasso e o sucesso com naturalidade, porque eles fazem parte da vida. Dedico-me muito à arte que escolhi e sou privilegiado por fazer o que amo", disse o músico, de sua casa em São Paulo.

Formado pela Berklee College of Music, de Boston, Pinheiro começou autodidata aos 7 anos. Ouvia jazz e MPB – bingo! – vindos dos vinis que rodavam na radiola de casa. Não faltavam Garoto, Tom, Chico, Gil, The­­lo­­nious Monk, John Coltrane e Mi­­les Davis. "Comecei a tirar tudo de ouvido. A memória musical guarda muito mais facilmente as melodias", conta.

O novo disco sucede os álbuns Meia Noite Meio Dia (2003), que tem participações de Lenine, Ed Motta, Chico César e Maria Rita – esta, aliás, pegou carona no cometa chamado Chico para alavancar sua carreira; Chico Pinheiro (2005), festejado por imprensa e público e que causou burburinho na Europa; e Nova (2007), desta vez em parceria com o guitarrista e compositor norte-americano Anthony Wilson – que toca com Diana Krall. Como se vê, parceiros não faltam. "É tudo uma questão de afinidade artística e pessoal. A gente não se procura, a gente se acha", diz Pi­­nheiro, que em Flor de Fogo conta com par­­ticipações das cantoras Dianne Reeves e Luciana Alves, e do saxofonista e clarinetista Bob Mintzer – que conheceu o trabalho de Chico Pinheiro pelo Myspace de­pois de o brasileiro ter feito seu trabalho de conclusão de cur­­so baseado na obra do norte-americano.

Suor

Uma frase atribuída a Edu Lobo diz, mais ou menos, que nenhuma música foi atrás de seu criador. É sempre o contrário: o músico é quem persegue a ideia, a criação. Pinheiro assina embaixo. "Criar, para mim, é um processo solitário e difícil. Ás vezes já tenho a parte ‘A’ da música e me falta a ‘B’. A procuro por dias. Tento um acorde e outro. É uma eterna busca. Quando acho, abro um vinho ou vou jantar com a namorada pra comemorar", conta o compositor.

A rotina de alguém que já di­­vidiu projetos e gravações com Rosa Passos, Dorival e Danilo Cay­­mmi, João Donato, Cachaíto Lopez (do Buena Vista Social Club), e Esperanza Spalding é intensa, como era de se esperar.

"Costumo acordar e tocar. É o meu café da manhã. Estudo pelo menos duas horas por dia. Há que existir esse lado atleta, da execução, para facilitar a criação. Mas gostaria de ter mais disciplina na composição. Tenho dezenas de fitas com músicas inacabadas", conta o paulistano.

Pinheiro toca mais fora do Brasil do que em seu país. "A estrutura lá é melhor, mas isso não é algo que a gente escolhe", diz, e o músico se prepara para uma turnê de lançamento na América Central, em fevereiro; Os Estados Unidos o verão em abril; a Europa, em maio e em novembro. E no meio disso tudo, haverá shows no Brasil, ainda bem.

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