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Caderno G – A estrutura de O Passado lembra labirintos que se entrecruzam. Como foi criá-la?

Alan Pauls – A única coisa que eu tinha no início era a frase "Mulher morta volta à vida para atormentar o homem que amou", o estranho telegrama mental com o que tudo começou. Eu o recebi enquanto estava escrevendo outro livro. Abandonei-o no ato e me dediquei a seguir a pista dessa mulher-fantasma que terminou se chamando Sofía. A "história" era simplesmente as reaparições dela na vida de seu ex-amante, distribuídas ao longo de 20 anos. Cada capítulo deveria ser um desses "retornos", e cada um deles deveria ser mais inquietante e perigoso do que o anterior: primeiro um cartão-postal, depois um encontro fortuito, depois um apelo amoroso, depois um presente, depois uma emboscada noturna... Depois, por sorte, tudo se complicou. Tenho um método de trabalho que sempre complica as coisas. Se a minha história levanta dois pontos fortes (a morte de Vera e o seqüestro do filho de Rímini, por exemplo), o que sempre termina me interessando realmente não são esses pontos fortes, mas tudo o que acontece no meio, entre eles. Converto em ação principal o que só deveria ser uma transição entre dois núcleos dramáticos. Assim o romance foi se fabricando.

Enquanto Rímini procura esquecer do passado, Sofía é feita de memória. A comunicação entre casais é sempre uma batalha perdida?

Não, não é uma batalha perdida caso se abandone a idéia de que existe alguma coisa a ser ganha e a idéia de que a comunicação pode ser derivada de alguma "verdade" sobre o casal. Temos que aceitar (e suportar) que, sobretudo entre apaixonados, a comunicação é basicamente equívoco, mal-entendido, erro de interpretação, e que tudo o que os amantes podem inventar juntos sempre inventarão sobre as ruínas da comunicação, não sobre seus êxitos.

O cinema parece ter uma importância muito grande na sua literatura. Além de Rocco e Seus Irmãos, de Visconti, quais outros filmes se relacionam com o livro?

Sobretudo Love Streams, de John Cassavetes, da onde veio a expressão "o amor é uma torrente contínua" e a idéia da experiência sentimental como um magma voraz capaz de incluir, absorver e se alimentar de tudo. A Cidade e as Mulheres, de Fellini, um filme que nunca tinha me interessado muito e que redescubri graças ao romance, enquanto escrevia sobre as mulheres que amam demais. A História de Adéle H., de Truffaut, claro. E, last but not least, Hitchcock. Principalmente aquele comentário incrivelmente perspicaz que Truffaut faz a Hitchcock no livro de conversas que fizeram juntos: "O senhor filma sempre as cenas de amor como cenas de crime, e as cenas de crime como cenas de amor". Aí está toda a doutrina do amor-horror.

Alan Pauls, romancista.

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