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Pola Oloixarac: “musa da Flip” percebe sintonia entre Oswald de Andrade e Jorge Luis Borges | Nelson Toledo/Divulgação
Pola Oloixarac: “musa da Flip” percebe sintonia entre Oswald de Andrade e Jorge Luis Borges| Foto: Nelson Toledo/Divulgação

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Obras de Oswald de Andrade são reeditadas

É uma ironia a obra do cunhador da antropofagia não pode ser deglutida à vontade, já que questões como uma batalha judicial entre herdeiros e o esgotamento de edições dificultam o acesso a seus livros. Com 21 títulos do modernista em catálogo, a Editora Globo reeditou uma meia dúzia deles de olho na Flip, tais como seus dois principais romances, Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933).

Este último foi difícil de ler à época, contou na abertura da Flip o crítico Antonio Candido, de 92 anos, que foi amigo do modernista. "Disso isso ao Oswald e ele falou ‘acho que eu tenho um exemplar em casa’".

Apesar de ter sido o mentor da Semana de 22 e produzido muito, Oswald foi rejeitado à sua época pelo mercado editorial. De personalidade explosiva, foi casado seis vezes – os dois enlaces mais conhecidos foram com a escritora Patrícia Galvão (Pagu) e a pintora Tarsila do Amaral.

A única filha viva, Maria Antonieta d´Alkmin, considera uma pena o acesso dificultado à obra do pai. "Uma geração inteira de estudantes se vê privada de entrar em contato com o que ele escreveu", disse à revista Imprensa.

  • Enrique Krauze: influência brasileira em seu trabalho veio de um pensador norte-americano
  • valter hugo mãe: angolano radicado em Portugal acompanha a obra de diversos escritores brasileiros

Paraty, Rio de Janeiro - Os escritores que circularam livremente pelos paralelepípedos enlameados de Paraty até ontem se revelaram pequenos canibais de texto, ao melhor estilo Oswald de Andrade. O modernista foi o homenageado da nona edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), e cunhador do termo "antropofagia", para definir a capacidade de absorver influências estrangeiras e modificá-las ao bel prazer.

Nomes de peso da literatura mundial ouvidos pela Gazeta do Povo confessam ter se influenciado ou pelo menos nutrir um profundo interesse pela obra de escritores brasileiros. É o caso do angolano radicado em Portugal valter hugo mãe (que só escreve em mi­­­núsculas). Apesar de considerar irrisório o número de autores do Brasil editados em seu país, ele conta acompanhar com interesse o trabalho dos cariocas Bernardo Carvalho e Rubens Figueiredo, e de nomes menos conhecidos, co­­mo o do mineiro Evandro Affon­­so Ferreira e do pernambucano Marcelino Freire, que ele considera profundamente "brasileiro". "Ele é um pouco intraduzível, difícil de entender para o leitor médio português, porque usa termos bem indígenas, mas gosto do que ele faz desde Angu de Sangue", contou valter hugo mãe à reportagem, a quem revelou também seu gosto por Rubem Fonseca, que lê há muito tempo.

O mexicano Enrique Krauze, que lançou na Flip o livro Redentores, sobre o populismo na América Latina, contou que a influência do Brasil em seu trabalho chegou via Richard Morse, pensador norte-americano que aqui viveu muito tempo e que ele considera um brasilianista eminente. "Ele tem um ensaio em que compara Oswald de Andrade a T.S. Eliot", conta.

Redentores tem entre seus personagens José Vasconcelos Calderón, mexicano de ascendência portuguesa que visitou a região de Foz do Iguaçu no início do século 20 e teria dito que o Brasil seria a capital da nova "raça cósmica" mundial.

A argentina Pola Oloixarac, que ficou conhecida como a "musa da Flip" por sua exuberância, simpatia e proeminência na escrita em espanhol após lançar As Teorias Selvagens, disse que se diverte com a sintonia que percebe na obra de Oswald e Jorge Luis Borges. "Nisso de absorver influências, Borges fazia algo parecido na mesma época, mas com uma visão mais pequeno-burguesa, considerando o que seria correto dizer ou não", confessou uma irônica Pola, punindo-se por estar sendo pouco nacionalista.

Filósofa de 33 anos, ela acrescentou que outro aspecto da obra oswaldiana que a influencia são as brincadeiras com a língua – o "portuenglish" inventado pelo brasileiro em expressões como "tupy or not tupy, that is the question".

A carpintaria com o idioma no Brasil é vista por valter hugo mãe como "uma aula de português" para escritores como ele. "Nos mostra a elasticidade da língua, o modo como ela pode progredir... é uma oficina de trabalho para poetas e escritores." Ele conta que se diverte com as coisas que ouve por aqui – apesar de que as pessoas costumam lhe responder em espanhol. "Gosto especialmente da transformação de palavras em verbos, como ‘oportunizar’. Qualquer um pelas ruas de Paraty atinge resultados absolutamente inéditos na língua, capazes de maravilhar um português. A língua, quando atravessa fronteiras, sempre ‘oportuniza’."

Mão dupla

Após nove edições, a Flip se firma como um dos eventos literários mais importantes no mundo, que permite a escritores brasileiros ter contato com as mais diversas tendências. Porém, o compositor e escritor José Miguel Wisnik la­­­menta que a tese da antropofagia tenha se diluído, e hoje seja compreendida como "aceitar qualquer influência." "Voltando aos textos de Oswald, vemos que ele era explicitamente contra a livre devoração de textos estrangeiros, e defendia um critério seletivo das culturas diferentes que permitisse o deslocamento mútuo entre elas."

A partir de agora, o Brasil passa a ser assediado por estrangeiros interessados em mostrar sua cultura em Paraty nos anos seguintes. O assessor cultural do Consulado do Japão em São Paulo, Goki Yamashita, veio à Flip para divulgar a literatura japonesa e conseguir, quem sabe, que a grade de escritores do ano que vem contenha um conterrâneo seu (o incensado escritor Haruki Murakami já foi convidado, mas recusou).

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