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O título do novo livro de Rubem Fonseca, Ela e Outras Mulheres (Companhia das Letras, 176 págs., R$ 34), pode gerar ao menos duas reações.

Quem não o conhece, pode achar que os 27 contos abordam o universo feminino de alguma forma – o que não deixa de ser verdade – e, talvez, ofereçam qualquer compreensão sobre as mulheres – o que está longe da verdade.

Aqueles que conhecem um tanto da obra do escritor mineiro radicado no Rio de Janeiro, sabem que ele é, com freqüência, considerado misógino. As mulheres de seus livros recebem a mesma atenção dada a armas de fogo. Elas são – ou deveriam ser – bonitas. Elas funcionam ou não. São úteis, vítimas ou megeras.

As histórias estreladas pelo detetive Mandrake, seu personagem mais famoso, são um exemplo do método. O protagonista enfileira namoradas bonitinhas e ignorantes, aceita casos de senhoras desesperadas, tristes ou manipuladoras.

Mandrake apareceu em A Bíblia e a Bengala, penúltimo livro de Fonseca, mas não dá as caras em Ela e Outras Histórias – embora se tenha a impressão de que o detetive pode surgir a qualquer momento.

A certa altura das narrativas curtas, o escritor apresenta um matador profissional, José, personagem que liga três histórias: "Olívia", "Teresa" e "Xânia". Os 27 textos – 26 inéditos e um antecipado pela revista Piauí – trazem nomes de mulheres nos títulos. Apenas sete são de fato narrados por vozes femininas. Mesmo nesses, Fonseca não consegue humanizar suas garotas. Disposto a colocá-las no centro da ação, acaba pesando a mão e criando figuras caricatas e, por isso, cômicas.

"Carlota" é sobre uma mulher desesperada por café; "Francisca" planeja a morte do marido canalha; "Julie Lacroix" está acima do peso e tem medo de morrer de apnéia enquanto dorme; "Miriam", o conto da Piauí, fala de uma burocrata de vida infeliz que desconfia estar doente; "Nora Rubi" é uma cleptomaníaca sem pudor que termina presa por uma besteira, "Raimundinha" faz as vontades do marido desempregado que não dá no couro, e "Zezé" nunca tinha tido um orgasmo na vida, quando enfim consegue um por meios ardilosos, tem de arcar com conseqüências trágicas.

O maior problema da antologia é que, de uma altura em diante – lá pelo 11.º conto, mais ou menos –, dá para sacar um padrão que se repete. Alguém sempre morre, é morto ou deve morrer.

Julio Cortázar (1914 – 1984), autor de Histórias de Cronópios e de Famas, foi um contista e tanto. Uma de suas opiniões dizia que o conto nocauteia o leitor, enquanto o romance vence por pontos. O recorte feito por algumas histórias, invariavelmente leva a um desfecho surpreendente – às vezes é uma reviravolta inesperada, em outras, um acontecimento súbito que pega o leitor com a guarda baixa.

Fonseca se esmera em criar finais impactantes. Mas as histórias se limitam a um dos prazeres mais primários da literatura – o de descobrir o que vem depois. Ao fim, não existe nada que fica – com poucas exceções. "Laurinha" é uma delas.

Talvez o melhor conto da seleção, é o mais violento com certeza. Narra o estupro e a morte de uma menina de 10 anos, seguidos do plano de vingança organizado pelo pai e pelo tio da criança, que era órfã de mãe. É um retrato perturbador da decepção com a Justi-ça, da indignação diante do crime impune que leva à vingança no estilo "olho por olho".

Em geral, o autor é cínico, manipulando personagens em nome de enredos que podem ser classificados de "politicamente incorretos". "Alice" é a professora que ajuda o adolescente nos estudos, mas acaba tendo relações sexuais com ele, sob a aprovação do pai do menino.

"Ela" dá nome ao livro e é, na verdade, o único conto a não trazer um nome feminino no título e marca por ser o mais curto de todos – tem pouco mais de uma página. A frase "Na cama não se fala de filosofia" abre e fecha o texto, boa parte dele impublicável aqui pelo teor erótico das cenas. Fonseca faz inclusive uma referência sutil ao romance O Animal Agonizante, de Philip Roth, escritor americano chegado em cenas impublicáveis.

Vez ou outra Fonseca ensaia discussões mais elaboradas e próximas do mundo das mulheres. "Joana", de início, dá sinais de ser um episódio sobre a obsessão pela belaza. "Eu só gostava de mulher bonita, de cara e de corpo. Podia ser ignorante, uma idiota, mas sendo bonita eu gostava dela", diz o narrador. Insatisfeito com essa condição e semelhante a um cristão, ele decide que sua redenção está na possibilidade de namorar uma mulher feia. E é o que faz. Claro, alguém morre no final e a "questão da beleza" é, ironicamente, um adorno.

Ela e Outras Mulheres deixa enfim a impressão de ser um bom passatempo, sobretudo para o autor.

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