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Se o modus vivendi dos dias de hoje exige diplomacia, cordialidade e alguma dose de marketing pessoal, nos anos 60 e 70 o grande barato era "pichar". Sinônimo de malhar, falar mal dos outros, a pichação estava entre os esportes prediletos das figuras públicas – que só não podiam detonar o regime militar, é claro. Nesse sentido, poucos foram tão pichados quanto Nara Leão (1942 – 1989), uma das artistas mais incompreendidas de seu tempo.

Eternamente lembrada como a musa da bossa nova, Nara foi muito mais do que isso. Logo na gravação de seu primeiro LP, em 1964, rompeu com o "movimento" e resolveu cantar sambas de compositores do morro, como Cartola, Zé Ketti e Nelson Cavaquinho. Tudo porque caiu na real e percebeu que a vida ia além "do sorriso, do amor e da flor". Não deu outra: foi duramente pichada por quem simplesmente não aceitava ver uma garota bem criada de Copacabana protestar contra as mazelas sociais.

Com o show Opinião (1964), de forte conteúdo ideológico, Nara finalmente passou a ser respeitada pela intelectualidade de esquerda. Mas a trégua durou pouco. Após uma breve temporada em Salvador, a cantora voltou apaixonada pelos Doces Bárbaros e flertou com o Tropicalismo. E ainda trouxe ao Rio a então novata Maria Bethânia, sua substituta no Opinião. E dá-lhe mais pichação, já que os baianos eram vistos como alienados, desbundados e exibicionistas.

Mais tarde, obteve êxito popular com "A Banda", de Chico Buarque, e se assustou com as conseqüências da fama. "Neurotizada" por conta do sucesso, como ela mesmo definiu, Nara decidiu acompanhar o marido, o cineasta Cacá Diegues, em uma viagem à França. O casal acabou ficando dois anos em Paris, de onde a cantora retornou sem grandes planos artísticos.

Lançado agora em DVD pela gravadora Biscoito Fino, uma edição de 1973 do programa de tevê Ensaio mostra Nara exatamente em sua fase pós-retorno.

Sozinha, ela canta, toca violão e fala abertamente sobre sua carreira, que completara uma década naquele ano. Em entrevista ao jornalista Fernando Faro, criador e produtor da atração até hoje, ela discorre sobre o início da bossa nova, o magnetismo pessoal de João Gilberto (capaz de transformar todos a sua volta em seus escravos), seu envolvimento com a política, a rotina de dona de casa em Paris, etc.

Entre um assunto e outro, música. "Insensatez" (Tom e Vinicius), "Carcará" (João do Vale), "Fez Bobagem" (Assis Valente), "Morena do Mar" (Dorival Caymmi), "Camisa Amarela" (Ary Barroso) e várias de Chico Buarque ("Com Açúcar, Com Afeto", "A Banda", "Tatuagem", entre outras).

Instigada por Faro a cantar alguma canção "tropicalista", Nara se mostra pouco à vontade e muda de assunto. Só faltou Caetano ou Gil para o programa ficar completo.

Tremendamente antenada, Nara é o que hoje se costuma chamar no mundo pop de "catalisadora de tendências". Sem preconceitos, usou seu ótimo ouvido musical para se alimentar de novidades e devolvê-las na forma de discos ecléticos (um termo desgastado, mas ainda adequado para ela). No país das intérpretes gritalhonas, nossa primeira grande cantora moderna ainda deixa saudades. GGGGG

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