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Brown relatou encontros que teve com prostitutas em Toronto | Divulgação
Brown relatou encontros que teve com prostitutas em Toronto| Foto: Divulgação

Entrevista

"Às vezes me pergunto o quanto o pessoal que mora no meu prédio sabe"

Confira a entrevista com Chester Brown concedida à Gazeta do Povo:

Você poderia ser mais um cliente entre tantos outros. Por que resolveu se engajar?

Eu simpatizei com a situação das garotas, especialmente com a última, Denise. Eu acabei conhecendo mais a perspectiva dela sobre o assunto. Hoje em dia, a prostituição é legalizada no Canadá, mas há muitos políticos que tentam criminalizar a profissão, tornando ilegal pagar por sexo. Achei que explicar o meu ponto de vista era uma forma de não deixar as coisas piores para os clientes e para as prostitutas.

Pagando por Sexo é uma de suas poucas histórias pessoais. Você se sentiu exposto com ela? Como está sendo a repercussão do livro na sua vida pessoal?

Eu não me preocupei muito com isso. Já estou acostumado a expor coisas que parecem muito pessoais para as pessoas. E até o presente momento não tive consequências negativas da publicação do livro. Meus amigos e família ainda me aceitam como eu sou, e estou sendo mais reconhecido por esses dias por pessoas nas ruas ou em lojas. Às vezes me pergunto o quanto o pessoal que mora no meu prédio sabe, porque com esse livro eles podem supor o que se passa no meu apartamento e talvez não gostem. Mas se sabem, também não disseram nada. Então tudo está bem até agora.

Na introdução, Robert Crumb escreveu que a ideia de pagar por sexo é repulsiva às mulheres, por ser uma possível ameaça ao amor romântico. Baseado nisso, você acha que Pagando por Sexo é repulsivo para as mulheres?

Hum... Eu não sei se é mais repulsivo para as mulheres do que para os homens. A maioria das críticas negativas que recebi foram escritas por homens, eu acho que existem muitos homens por aí que acham repulsiva a ideia de pagar por sexo. Mulheres também, obviamente. Mas não sei se é algo específico de um gênero como Crumb acha.

Mas você tem amigas e mostrou seu livro para elas...

As reações das minhas ex-namoradas, descritas no livro, são muito mais fortes com o fato de conhecer alguém próximo que paga por sexo do que sobre minhas ideias a respeito do amor romântico. Mas nenhuma das minhas ex-namoradas ficou perturbada a ponto de deixar de ser minha amiga. Elas ainda me amam, e foram obrigadas a ver a prostituição sob uma outra ótica por minha causa.

Você pensa em fazer outro trabalho pessoal como esse no futuro?

Nada imediato. Acharia interessante se Denise estivesse aberta à ideia de fazer algo em cojunto comigo sob a ótica dela, mas acho que ela não se animou muito com a proposta. Então, acho que não vou fazer outra história em que eu seja o protagonista tão cedo.

  • Chester Brown, quadrinista

O cartunista canadense Chester Brown percebeu, ao terminar seu último namoro, que estava cansado de relações monogâmicas possessivas – que, na opinião dele, só levavam a brigas e discórdia – e se descobriu surpreendentemente livre da dependência do amor romântico. O único problema era a falta de sexo. Chet, como é chamado pelos amigos, transpôs esse obstáculo da maneira mais óbvia possível: virou um cliente costumaz das prostitutas de Toronto, fazendo um cálculo preciso de quanto gastaria por ano se mantivesse um contato a cada três semanas.

O encontro com cada uma dessas garotas e as conversas que manteve com seus amigos – entre eles, os cartunistas Joe Matt e Seth – sobre o assunto foram relatadas na sensacional graphic novel Pagando por Sexo. O livro busca inspiração nas obras undeground dos anos 1960 e 1970 de Robert Crumb ao mesclar autobiografismo e ensaios de intenção mais profunda do que se espera encontrar numa história em quadrinhos.

É na paranoia inicial do autor protagonista ao fazer os primeiros contatos, por exemplo, que se percebe que mesmo um sistema aparentemente seguro é carregado de preconceitos e temores anteriores à sua própria existência. E é na necessidade de se explicar para seus amigos, pouco à vontade com a decisão de Chet, que o autor desenvolve um tratado histórico sobre a experiência do amor e da monogamia na nossa sociedade. E, obviamente, é na experiência do inseguro "john" – nome genérico para designar clientes de prostitutas – que o leitor se depara com o mundo da prostituição despido tanto de tabus quanto de vulgaridade.

Engajamento

Mas talvez a maior sacada de Pagando por Sexo resida no fato de Chester Brown descobrir, ao decidir simplificar a sua vida amorosa pagando por sexo, que nada é tão fácil assim. Mesmo uma relação que se supõe fria e profissional mantém um mínimo toque pessoal capaz de fazer cair por terra o mito do sexo sem compromisso. Foi dessa maneira que encontrou Denise, uma garota de programa com quem mantém uma relação paga e monogâmica até hoje, nove anos após, e se engajou no Partido Libertário do Canadá, o único a defender a descriminalização da prostituição, candidatando-se ao Parlamento duas vezes.

O engajamento político do autor obrigou-o a buscar referências bibliográficas e dedicar um pouco mais de tempo de reflexão ao assunto do que o cliente mediano. O resultado disso é o extenso apêndice do livro, em que refuta os argumentos contra a prostituição, ao mesmo tempo em que defende convincentemente a não regulamentação da profissão. O livro também conta com inúmeras notas complementares, sugestão de leituras e um texto introdutório assinado por ninguém menos que o cartunista Robert Crumb, que afirma: "[Chester] mostra que esses argumentos [contra a prostituição] são todos baseados ou na velha e retrógrada moral religiosa ou em pressupostos liberais irrefletidos e simplistas (...). Todas as prostitutas inteligentes que conheço reviram os olhos diante das tentativas dos liberais bonzinhos de ‘reformá-las’".

Dotado de um traço preciso e minúsculo, Chester Brown reflete uma personalidade séria e comedida, pouco condizente com um quadrinista do underground. E Pagando por Sexo é um livro que reflete essa personalidade. Elucidativo e engraçado ao mesmo tempo, é uma das grandes obras do gênero nos dias atuais. GGGG1/2

Graphic novelPagando por Sexo

Chester Brown. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. 296 págs., R$ 47.

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