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A produção da companhia Yesbody é conduzida de forma bem objetiva e deixa claras as suas reflexões, mas não a ponto de subestimar o espectador | Divulgação
A produção da companhia Yesbody é conduzida de forma bem objetiva e deixa claras as suas reflexões, mas não a ponto de subestimar o espectador| Foto: Divulgação

O espetáculo de dança contemporânea Não Olhes para Trás (confira o serviço completo do espetáculo), em cartaz no Teatro Cleon Jacques, propõe uma inversão das regras do palco ao colocar o grupo Yesbody Teatro Físico para dançar todo o tempo de costas para o público.

A coreografia de Julio Mota tem 50 minutos de precisão e força, intercalados com braços alongados, rolamentos e movimentos fluídos. Três bailarinas e um bailarino dão vida à proposta que é inspirada, principalmente, no mito de Orfeu e Eurídice e na história bíblica de Ló.

Nessas histórias, os personagens têm seus desejos colocados à prova. A certeza do fim não lhes é o bastante, levando-os a transgredirem regras – no caso, a lei era não olhar para trás – e consequentemente serem condenados a sentenças irreversíveis.

Outras narrativas, como Adão e Eva, Ulisses e as sereias, o mito da caverna e Perseu e Medusa, também compõem o repertório. Nas duas primeiras, ceder ou não à tentação é o que conduz as histórias. Já no mito do grego e da Górgona, Perseu sai vitorioso, por justamente conseguir olhar para trás, quando estava encarando um espelho a sua frente – o que lembra o mito da caverna.

Cada uma das dez cenas do espetáculo conta, nitidamente, as histórias dos mitos, através da dança. Mota afirma que muitas vezes o bailarino limita às expressões faciais os sentimentos que quer transmitir. Sem esse artifício, o resto do corpo precisa falar. É a dramaturgia corporal. "A expressão fica por conta dos movimentos, exigindo que o corpo se comunique mais", diz.

Alguns elementos ajudam a construir o imaginário dessas cenas, transmitindo com mais realidade a mensagem. Na cena de Adão e Eva, por exemplo, luvas vermelhas são incorporadas ao figurino de uma das bailarinas, que se move sedutoramente e manipula os outros bailarinos, mostrando todo o poder que conduziu o casal do Éden ao pecado.

O pas-de-deux na representação de Orfeu e Eurídice é envolvente e intenso. Transmite, nas torções e movimentos bem definidos, o entrosamento entre eles. Diferentemente das demais cenas, onde a luz é discreta e muito pontual, nessa composição a luz assume um papel mais enfático.

O espetáculo não apresenta cenário, nem figurinos elaborados, convidando a plateia a estar totalmente envolvida nas movimentações, que apesar de livres e simples exigem autocontrole e harmonia entre os integrantes. Em quase todo o espetáculo os quatro bailarinos estão em cena. Haja fôlego. A cada saída pela coxia, as energias se renovam para prosseguirem até o último minuto com o mesmo vigor do início.

A última cena traz movimentações idênticas às da primeira e algumas similares ao que foi apresentado durante o espetáculo. Além da composição musical de Mota, que conduz os movimentos finais, perguntar ao público o que o faz olhar para trás – "Dúvida? Medo? Saudade? Tanto faz?" –, as movimentações também transcrevem esses questionamentos.

No grande final, as luzes do palco se voltam para o público – causando aquele desconforto visual por alguns segundos. É nesse momento que os bailarinos – pela primeira vez – mostram-se de frente para a plateia.

O espetáculo é conduzido de forma bem objetiva e deixa claras as suas reflexões, mas não a ponto de subestimar o espectador. A interpretação dessas dúvidas cantadas e fatos dançados fica de souvenir para o público.

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