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O diretor teatral Cesar Almeida, que em suas montagens costuma privilegiar a temática curitibana, escolheu desta vez uma espécie de diva cultuada com ardor por uma legião de peregrinos que chegam de longe para visitá-la: a defunta Maria Bueno, que desde a década de 60 jaz em uma capela azul no Cemitério Municipal – justiça feita após a jovem, assassinada brutalmente por um soldado, em 1893, passar longos anos como indigente em uma cova rasa no local do crime.

Desde o dia de sua morte, no entanto, Maria Bueno foi eleita pelo povo como "santa milagreira" paranaense. Mas, por que ela, entre tantas vítimas de crimes brutais, mereceu ser alçada a tão elevado posto? Intrigada pela adoração fanática de fiéis que formam filas quilométricas em seu túmulo no Dia de Finados, Cesar Almeida decidiu recriar a história da jovem na montagem Maria Bueno – A Santa (Tipicamente) Curitibana, que estréia hoje no recém-remodelado Teatro Novelas Curitibanas. "Crimes acontecem todos os dias. Por isso, acho curioso este culto à Maria Bueno, que já dura mais de um século. Deve haver algum motivo extra-sensorial", opina o diretor.

A montagem inaugura uma série de quatro trabalhos selecionados pelo edital do Programa de Fomento para ocupar o espaço em 2007, com financiamento total de R$ 200 mil do Fundo Municipal de Cultura. Até o mês de dezembro, o palco do teatro vai abrigar ainda as peças Sobre Tempos Fechados, de Marcos Damaceno; O Amor, Seja Como For, de Fátima Ortiz; e O Banho, de Fabiana Resende.

O diretor Cesar Almeida diagnostica-se ateu convicto. Por isso mesmo, a fé é um dos seus temas preferidos. "Me intriga saber porque as pessoas têm tanta necessidade de fé e conseguem mantê-la viva em um planeta tão conturbado, tão desmistificado", explica. Sua primeira montagem relacionada ao tema foi Estrada do Pecado, de 2004, em que mostrava a presença da fé cega, mesmo em um ambiente tão hostil como o submundo da prostituição. Em 2005, realizou São Sebastião, sobre a intolerância da Igreja Católica em relação ao homossexualismo. Em Maria Bueno, ele oferece a esta espécie de mártir que compõe o rol das lendas urbanas curitibanas uma posição mais privilegiada do que a de prostituta ou lavadeira, como controversamente citam as fontes da época. Transforma a personagem em uma mulher à frente de seu tempo, ativista das causas femininas. "Pelo seu comportamento liberado, talvez Maria Bueno fosse mesmo uma feminista precoce", defende. Embora descrente, Almeida visitou o túmulo de Maria Bueno para pedir a graça de ser contemplado pelo edital. Ele justifica o próprio gesto com a frase bem comum aos cínicos: "Não creio em bruxas, mas que elas existem, existem".

Como os fiéis, que enxergam Maria Bueno de acordo com suas crenças, o diretor optou por mostrar a personagem a partir de um ponto de vista bem pessoal. "Usei meus próprios ícones", conta. Para isso, insere a trajetória de vida da jovem (interpretada pela atriz Kassandra Speltri), em uma espécie de conto de fadas, povoado por personagens realistas, como o soldado que a matou (o ator Mateus Zucolotto), e de fantasia, como um príncipe encantado e outros espécimes das histórias infantis.

A montagem de Almeida é a quarta de uma série sobre Maria Bueno, iniciada por Oraci Gemba, na década de 70. Nos anos 80, ela seria retomada pelo falecido diretor Raul Cruz e, nos anos 90, por Wellington Silva. "Uma vez a cada década ela é lembrada no teatro", conta.

Serviço: Maria Bueno – A Santa (Tipicamente) Curitibana. Teatro Novelas Curitibanas (R. Carlos Cavalcanti, 1.222), (41) 3321-3358. Texto e direção de Cesar Almeida. Com o grupo Rainha de 2 Cabeças Teatro e Dança. De quarta a sábado, às 21 horas, e domingo, às 20 horas. Entrada franca com uma lata de leite em pó. Estacionamento anexo gratuito. Até 11 de fevereiro.

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