• Carregando...
No fim da vida, Raul Seixas era considerado um herói popular | Fotos: Divulgação
No fim da vida, Raul Seixas era considerado um herói popular| Foto: Fotos: Divulgação

Serviço

Tributo a Raul Seixas

Sociedade Treze de Maio (R. Des. Clotário Portugal, 274 – Centro), (41) 9198-6607. Dia 23 de agosto, sábado, a partir das 22 horas. Com a banda Paranoia e Rick Ferreira, guitarrista oficial de Raul Seixas. R$ 20 (somente em dinheiro).

A "Panela" no "Caldeirão"

Sandro Moser

Uma das grandes lendas urbanas de Curitiba envolve o show da turnê A Panela do Diabo, de Raul Seixas e Marcelo Nova, realizado no Ginásio do Clube Atlético Paranaense, no bairro do Água Verde, em 1989.

Há muitas controvérsias a respeito deste concerto. A começar pela data. A versão mais corrente diz que o show aconteceu no dia 12 de agosto de 1989, ou seja, uma semana e meia antes da morte de Raul. Seria, portanto, o penúltimo show do cantor. Ainda que seja uma história recontada diariamente na cidade, não existem registros conhecidos sobre aquela noite.

Segundo a pesquisadora da história do Atlético Milene Szaikowski, é mais provável que o show tenha acontecido quase dois meses antes, no dia 17 de julho.

"Há um ingresso do show com a data de 17, sem especificar o mês. Em 13 de agosto, ele fez seu último show, em Brasília. Naquela época, nem havia voo direto daqui para Brasília, seria meio difícil ele fazer um show aqui no dia 12 e lá no dia 13 no estado em que ele se encontrava", explica.

De qualquer forma, o show aconteceu e entrou para história. Muito por conta do mítico local, conhecido, por coincidência, como "caldeirão do diabo".

Improvisação

Naquele tempo, o Atlé­tico havia abandonado a sua sede e mudado para o estádio Pinheirão, no Tarumã. A antiga Baixada e o ginásio eram "administrados" pela torcida organizada Os Fanáticos, que ajudou a produzir o concerto.

"Nós demos 2 mil [cruzados novos, na época] para eles [Raul e Marcelo Nova], garantimos bilheteria e fechamos o show assim, na loucura. Compramos cartolina, escrevemos ‘Show do Raul Seixas’ e colamos em umas dez quadras em volta da Baixada. Colocamos 10 mil pessoas no ginásio, lotou. Tudo bem que ele nem conseguia cantar direito, de tão mal que já estava", disse Renato Sozzi, então presidente da torcida Os Fanáticos.

O músico e publicitário Flávio Jacobsen também esteve presente ao concerto e relembra os artifícios usados para ver o momento histórico.

"A gente conhecia uma salinha da torcida que tinha um buraco na parede e que dava para a quadra onde o show ia rolar. Havia, mesmo assim, um segurança ali, que percebeu o movimento e embaçou geral. Mas bastou um pequeno suborno e ele liberou. Foi emocionante, mas uma pena que o Raul já estava naquele estado. Ele mal conseguia terminar uma canção que fosse. O resto todo mundo sabe", lembra.

  • Postura
  • Relação do músico com seus admiradores era próxima

Em junho de 1973, Raul Seixas caminhou pelo centro do Rio de Janeiro empunhando seu violão e cantando sua música "Ouro de Tolo". A estranha passeata parou trânsito e transeuntes na avenida Rio Branco e atraiu jornais e emissoras de televisão.

A ideia – de Raul e de seu parceiro de música e outras viagens, Paulo Coelho – era chamar atenção para o compacto que acabava de ser lançado pela gravadora CBS. Raul queria e conseguiu, como muitas vezes na sua carreira, chegar com "os dois pés na porta".

"Ouro de Tolo" era uma balada folk, cuja letra confrontava ideias de felicidade da classe média careta encantada com a "ordem social" do "milagre brasileiro" em plena ditadura Médici.

"Ter um emprego", ir ao zoológico nos fins de semana, "morar em Ipanema" e possuir um "Corcel 73". O disco vendeu rapidamente 60 mil cópias.

Meses depois, a canção integrou o primeiro álbum de Raul, Krig-ha, Bandolo!. O título do disco significa "Cuidado, aí vem o inimigo", o grito de guerra que os macacos ensinaram ao personagem Tarzan.

O lançamento deste álbum pode ser encarado como a "pedra do gênesis" que consolidou a música jovem brasileira, fundando, ao mesmo tempo, o rock e o pop nacionais.

"O disco tem 29 minutos, tempo mais do que suficiente para Raul Seixas fincar o seu nome na história da música brasileira", avalia o crítico e radialista paulista Kid Vinil.

A capa era outra aparição arrebatadora de Raul. E forjou a imagem do roqueiro contestador, místico e subversivamente bem-humorado que é cultuada até hoje, 25 anos após a sua morte, em 21 de agosto de 1989. O músico foi vítima de uma parada cardíaca em seu apartamento, em São Paulo (além de alcoólatra, Raul era diabético).

"Raul fez questão de posar como um ‘anti-star’. Sem camisa, exibia seu corpo magro, apenas com um medalhão no peito e as mãos levantadas. A cara com uma espécie de sorriso cínico completava a ousadia, um contraste com os artistas da época, que faziam capas de disco superproduzidas e sempre bem-trabalhadas", explica Kid Vinil.

Mosca na sopa

Na primeira faixa do disco, Raul dizia ao que veio: "Eu sou a mosca que perturba o seu sono/ Eu sou a mosca que pintou pra lhe abusar."

Tinha sido sempre assim, desde que o menino Raul dos Santos Seixas, nascido em Salvador em 1945, surgiu de topete e jaqueta de couro, imitando os trejeitos de seus ídolos Elvis Presley (1935-1977) e Jerry Lee Lewis nos anos 1960, como líder da banda Raulzito e Os Panteras.

"Raulzito jogava-se no chão, contorcendo-se enquanto as pessoas se afastavam pensando que ele estava tendo um ataque de epilepsia. Era um choque cultural de 2 milhões de volts, eletrocutando a premissa de que toda música feita na Bahia era morna como a brisa de Itapoã e doce como morrer no mar", relembra o parceiro e conterrâneo Marcelo Nova.

O mesmo choque aconteceu quando ele aproveitou a viagem de um diretor da gravadora CBS – da qual era produtor de discos – para gravar e lançar um álbum, Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (1971), do qual, além dele, participavam Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star. O disco, que misturava rock, marchas de carnaval, boleros e outras esquisitices, foi o prato de assinatura de Raul no showbiz brasileiro.

"Ali foi o ponto da virada, a primeira vez que ele assinou com o próprio nome. Antes, ninguém tinha prestado atenção nas músicas que ele fez para Jerry Adriani. A partir dali, não tinha mais como ignorá-lo", explica o jornalista Tárik de Souza em depoimento ao filme Raul – O Início, o Fim e o Meio (2012), dirigido por Walter Carvalho.

Nesta época, Raul decidiu ser popular. Apareceu de brilhantina no cabelo e casaco de couro e defendeu no Festival Internacional da Canção de 1972 a mistura de rock e baião "Let Me Sing, Let Me Sing". Fez sucesso e ganhou contrato com a Philips.

A consagração final veio dois anos depois, com o lançamento do disco Gita. No livro Pavões Misteriosos – 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil (Três Estrelas, 2014), o jornalista André Barcinski fala de como esse álbum inaugurou o pop nacional . "O disco tinha letras que conclamavam o ouvinte a largar sua vidinha convencional e buscar a Sociedade Alternativa. Será que a gravadora sabia onde estava se metendo? Lançar um disco daqueles em 1974, no período mais repressivo da ditadura militar, parecia suicídio comercial. Mas não foi. Gita não sofreu censura e vendeu 600 mil cópias."

Biografia

Apesar dos mais de 30 livros e inúmeros trabalhos acadêmicos sobre Raul Seixas publicados a partir de sua morte, o jornalista e escritor paulista Edmundo Leite acredita que a história do artista ainda está "mal contada", por isso ele tem se dedicado a escrever uma biografia completa do cantor. "Ninguém ainda tinha se proposto a escrever uma biografia, grande, consistente, bem-apurada. O que há são muitos ensaios, textos de fãs e coisas assim, que contribuem para a reprodução de alguns mitos sobre ele", avalia.

Um desses mitos seria a relação de Raul com o ocultismo e com os ensinamentos do bruxo inglês Aleister Crowley (1875-1947), que fazia a cabeça de alguns dos principais artistas do pop mundial nos anos 1970.

"Não era só ele. Muita gente na música pop estava embrenhada nesse tema na época. Até isso é um outro mito que surgiu, talvez não seja esta a imagem mais forte que ficou dele. O público que gosta dele, gosta da música dele", afirma.

O certo é que Raul, que revolucionou a indústria e a estética da música brasileira e hoje é cultuado, foi maldito durante boa parte de sua carreira, do final dos anos 1970 até 1988.

Nesta época, alcoólatra e debilitado, Raul Seixas experimentava um doloroso ostracismo. Com 44 anos e 21 discos nas costas, nenhuma gravadora ou promotor de ­shows apostava um tostão nas condições físicas e mentais do velho roqueiro.

Houve tempo, porém, para uma volta triunfal, quando Raul foi convidado por seu herdeiro Marcelo Nova para cantar quatro músicas num show em Salvador. O projeto virou seu último disco, A Panela do Diabo (1989), e uma turnê de mais de 30 shows vistos por centenas de milhares de pessoas. Raul renasceu, antes de morrer.

"O fato é que, no final de sua vida, Raul Seixas tinha se tornado um herói popular, um dos últimos disponíveis numa época em que acreditar em qualquer coisa ou pessoa está cada vez mais difícil", escreveu o jornalista André Forastieri no dia da morte do cantor.

Curitiba abriga o segundo maior fã-clube do cantor

Isadora Rupp

Fabiano Cardoso da Sil­veira, o "batata", tinha 12 anos quando Raul Seixas morreu, em 1989. Um ano depois, junto com três amigos, fundou um fã-clube, na época, um pretexto para ouvir um bom som e tomar umas cervejas às escondidas. Os anos passaram, e a comunidade cresceu. Hoje, o Geração Alternativa Rock Clube, do qual é presidente, tem 300 associados, e é a segunda maior "organização" dedicada ao músico.

"O Raul é o meu lado B. Sou contador, tenho minha vida, mas me dedico para que outras pessoas conheçam a obra dele. Ele é o pai do rock, um visionário. O que ele falava nas músicas dele há 40 anos, cabem perfeitamente hoje", diz Silveira. Excursões, pequenas mostras com os materiais que guarda sobre o cantor (cerca de 1 mil itens) e uma grande festa em agosto, mês da morte de Raul, são algumas das atribuições do Geração Alternativa. "Queremos divulgar a obra dele, a ideia não é ter lucro", salienta o presidente. O tributo deste ano será realizado no sábado que vem, 23, na Sociedade Treze de Maio, com a banda Paranoia e participação do guitarrista Rick Ferreira, que acompanhou Seixas em vários discos e shows (veja os detalhes no serviço).

O fã clube acabou se tornando uma espécie de família: além dos amigos de longa data, surgiram casais como Marlos Gonçalves (vocalista da Paranoia) e Eliziane Zanelatto, que passou a gostar mais de Raul Seixas influenciada pelo marido. O filho mais velho, de 16 anos, se chama Raul. "Não teve negociação com o nome, o Marlos quis Raul e ponto. Tenho várias amigas que ficaram grávidas na mesma época, e que os filhos são Raul também", conta ela. A filha caçula, de 12 anos, também adora as canções. "O Raul tem essa magia de agradar a todos. Ele deixou muita coisa para o rock nacional."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]