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Conan Doyle abandonou a medicina para investir na única forma de ganhar dinheiro que conhecia: escrever ficção. As revistas literárias eram a tevê a cabo da época e viraram o ganha-pão do escocês.

Um tanto contrariado, ele aceitou produzir as aventuras de Sherlock Holmes em série para sobreviver, mas nunca se livrou da ambição de escrever "alta literatura". Hoje, poucos conhecem os livros de Conan Doyle em que o detetive não aparece. O público ignorou e ainda ignora os trabalhos que o autor mais prezava e ama aqueles que ele desprezava.

"Tive uma tal overdose de Holmes que me sinto em relação a ele como em relação a um patê de foie gras, que certa vez comi demais, tanto que até hoje sinto náusea só de ouvir o nome... Censuraram-me muito por ter dado cabo desse cavalheiro, mas sustento que não foi assassinato; foi um justificável homicídio em autodefesa, porque, se eu não o tivesse matado, ele certamente teria me matado", escreveu Conan Doyle, enfastiado do detetive.

Quase três décadas depois de falar da náusea, ele pareceu ter feito as pazes com sua cria no livro Memórias e Aventuras (1924), no qual disse: "não quero ser ingrato com Holmes". Porém, ele o foi e dedicou apenas um capítulo da autobiografia à invenção mais importante de sua carreira, exatamente aquela que o tornou rico e famoso.

O descaso do próprio Conan Doyle alimentou a desconfiança alheia. Há informações de que ele escrevia rápido e nunca revisava as histórias. Chegou a entregar 24 contos (com 30 páginas em média) para publicação ao longo de 29 meses. O que explica as inúmeras lacunas, erros e incongruências listados obsessivamente por leitores e pesquisadores até hoje. Um dos absurdos mais célebres é o desaparecimento da mulher de Watson, Mary, sem nenhum tipo de satisfação dada. Outro fato curioso é que Mary chamava o marido de James e não de John (também sem explicação).

"Examinando os recursos literários de Conan Doyle, de início nos decepcionamos: não há belos torneios de frases, adjetivos brilhante que saltem da página, agudezas psicológicas impressionantes", diz o romancista John Le Carré na apresentação de As Aventuras de Sherlock Holmes, a edição definitiva, ilustrada e anotada sob o encargo de Leslie S. Klinger, publicada no Brasil pela Zahar.

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