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O projeto de lei que libera as biografias não autorizadas, que atualmente aguarda votação na Câmara, ganhou mais um reforço de peso entre seus apoiadores: trata-se de um grupo de 200 acadêmicos, entre os quais estão historiadores, intelectuais e pesquisadores, a maior parte deles da USP (Universidade de São Paulo).

Eles assinaram uma carta intitulada "Liberdade para as biografias". No texto, dizem que "as vidas dos indivíduos são parte da história" e que "a biografia não busca elogiar nem insultar, mas entender".

"As trajetórias pessoais não são uma mercadoria. O direito de escrever sobre elas não deve ser objeto de negociações ou de contratos comerciais. A mercantilização dos temas e dos personagens históricos compromete a independência do autor."

Para os acadêmicos, o Poder Judiciário já dispõe de mecanismos para punir abusos cometidos por biógrafos, dispensando assim a necessidade de uma censura prévia.

Em meio aos 200 nomes, estão dois imortais da Academia Brasileira de Letras: Alfredo Bosi e José Murilo de Carvalho.

O projeto de lei sobre biografias não autorizadas ganhou grande espaço nas discussões dos meios artístico e cultural depois que o grupo Procure Saber, fundado por grandes figuras da música popular brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Roberto Carlos, se declarou contra a liberação, dizendo que ela violava a privacidade dos indivíduos. Leia abaixo a íntegra da carta dos acadêmicos e o nome dos 200 signatários.

`No momento em que a Justiça brasileira discute o estatuto legal das biografias e que um amplo debate sobre a liberdade de pesquisa e de divulgação se estabelece no País, nós -historiadores, escritores, intelectuais e acadêmicos- vimos a público para expressar nosso apoio aos seguintes princípios.

Liberdade para as biografias

As vidas dos indivíduos são parte da história. As biografias são, portanto, formas de entender a realidade e não podem ser objeto de nenhum limite ou interdição. Castrar a biografia significa ferir mortalmente a compreensão das sociedades.

O biógrafo deve poder interpretar seus personagens livremente, assim como o historiador escolhe e analisa os seus temas sem entraves ou imposições.

O historiador não pede licença ao Estado ou aos partidos para escrever a história política; não solicita a benção de Igrejas ou templos para expor sua visão sobre a história das religiões; não depende de empresas ou corporações para analisar o fenômeno econômico. Do mesmo modo, o biógrafo não pode estar submetido à autorização do biografado para falar de seu personagem.

A biografia não busca elogiar nem insultar, mas entender. O biógrafo deve ser livre para reconhecer e expor as virtudes e os defeitos dos atores da história, acima das sensibilidades pessoais ou dos interesses de qualquer natureza. A biografia pode ser inconveniente, mas jamais desonesta com os fatos.

O respeito à privacidade não pode sobrepor-se ao interesse coletivo em se conhecer o passado e o presente. Cabe ao biógrafo distinguir criteriosamente entre a exposição inútil da vida pessoal e os detalhes significantes para a explicação do contexto.

A biografia não é uma invasão da vida alheia, mas um procedimento de análise sério e metódico, fundado em documentos e depoimentos, que visa a estabelecer as relações entre os personagens e sua época.

As trajetórias pessoais não são uma mercadoria. O direito de escrever sobre elas não deve ser objeto de negociações ou de contratos comerciais. A mercantilização dos temas e dos personagens históricos compromete a independência do autor.

A biografia não é uma causa jurídica. Não pode ser controlada pelos legisladores nem cerceada pelos tribunais. O Estado brasileiro já dispõe de amplo aparato legal para corrigir e coibir os eventuais abusos e desvios de uma biografia, sem necessidade de recorrer à censura prévia.

Em um Estado democrático e livre, a biografia e a história não podem ser reféns da censura privada ou de Estado, nem podem ser asfixiadas pelo medo de processos e de sanções indevidas. Negar isso seria transformar a biografia em peça de propaganda dos indivíduos biografados ou em veículo de uma verdade oficial.

A liberdade para as biografias é, em suma, parte da liberdade de expressão. É imperioso que sejam garantidas as condições de pesquisa e de divulgação de seus resultados."

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