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Detalhe da garrafa de whisky que foi vendida pelo equivalente a R$ 110 mil | Reprodução
Detalhe da garrafa de whisky que foi vendida pelo equivalente a R$ 110 mil| Foto: Reprodução

Um atestado de qualidade

A revista Gráfica surgiu a partir da mostra Grafia (1981 – 1982), na Galeria Acaiaca, em Curitiba. O evento teve apoio do Banco Bamerindus e de Jorge Sade, diretor da galeria à época.

Muitos dos artistas estrangeiros que participaram da mostra, enviando seus trabalhos, pediam em troca um catálogo, além dos certificados. Miran assumiu a responsabilidade de fazer o livro. "A Gráfica foi a promessa", lembra.

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Numa lúgubre cidade...

O Ricardo Humberto já começou sofisticado: as primeiras ilustrações dele foram feitas no livro Moby Dick, de Herman Melville, lançado pela editora Abril, na clássica coleção Os Imortais da Literatura Universal. Sabe, aqueles livros de capa dura vermelha com letras douradas, famosos na década de 70? RH tinha uns 3 anos quando rabiscou a coleção inteira da nossa mãe, mais os sofás da casa, pufes, cadernos, paredes e, bem provavelmente, a nossa mãe também. Em mim, ele desenhava uns relógios legais no braço direito. Não sei porque, mas sempre no braço direito. "Peguei" essa mania de desenhar com ele, que provavelmente pegou com nosso avô materno, que vivia desenhando em qualquer papel que estivesse à mão. Ele desenhava muito na filha dele, também.

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O número 60 da revista Gráfica deu 24 páginas a Ricardo Humberto. Para um artista gráfico, sair na publicação criada em setembro de 1983 é como ser escolhido para uma bienal internacional, ou integrar a coleção de um museu com a estatura de um Guggenheim. Ou quase isso.

Impressa pela Posigraf, do Grupo Positivo, a Gráfica é bimestral e circula em vários países – EUA, Argentina e Uruguai entre eles.

Acontece que Ricardo Humberto de Macedo, curitibano, 36 anos e discípulo do músico Frank Zappa (1940 – 1993), é artista gráfico e editor executivo de imagem da Gazeta do Povo. Hoje, o seu nome não aparece no jornal com a freqüência de anos atrás, quando ilustrava as colunas de Paulo Francis e os contos de autores como Dalton Trevisan e Miguel Sanches Neto.

O parnanguara Oswaldo Miranda, rebatizado Miran por Ziraldo (de acordo com a lenda), está para as artes gráficas do Paraná como Trevisan, para a literatura. Editor da Gráfica, passou pelo Pasquim e, hoje, vive em Curitiba. Na revista, deu espaço para obras de artistas impressionantes, do romeno-americano Saul Steinberg (1914 – 1999), famoso pelas capas da New Yorker, ao uruguaio Hermenegildo Sábat (1933), publicado por The New York Times e L’Express.

No blog www.miranrevistagrafica.blogspot.com, Miran escreveu: "O artigo-portfólio do Ricardo Humberto foi uma das coisas mais gratificantes que fiz nos últimos tempos". Numa troca de e-mails com o Caderno G, Miran admite ser um "fã" do artista. "Eu me sinto como um diretor de cinema que aprecia trabalhar com alguns atores, os seus prediletos, tanto que, com alguns, até constroem trilogias. Talvez eu faça, também, a minha trilogia com o Ricardo Humberto."

O primeiro convite de Miran veio em dezembro de 2004 e, até algumas semanas atrás, Ricardo não imaginava que a proposta era para valer. Não porque Miran não quisesse publicá-lo, mas porque não achava (e ainda não acha) seu trabalho apropriado para a revista.

"São ilustrações feitas para jornal, com o horário de fechamento me colocando contra a parede", explica. Há uma década, ele trabalhava das 15 às 22 horas e ia para casa disposto a fazer uma ilustração que entregaria no dia seguinte até as 10 horas da manhã. Então virava a noite desenhando, pintando e colando.

Como as tintas não secavam no prazo que tinha para trabalhar, apelou para o secador de cabelos. Até o dia em que o aparelho queimou. A saída foi usar uma panela, colocar um pouco de álcool nela e riscar um fósforo.

Segurando o desenho sobre o bafo quente da chama, esperava a tinta secar. Mas não conseguiu evitar que o papel queimasse em alguns pontos. Sem querer, acabou descobrindo uma textura interessante.

Outro dia, elaborando uma caricatura do Paulo Leminski (1944 – 1989), fez fotocópias de uma imagem que usaria como referência. No caminho, com dificuldade de terminar o desenho, percebeu que as cópias poderiam resolver o problema. Foi quando começou as colagens. Pouco depois, se tornaria um maníaco por fotocópias, tanto que passou a dividir o mundo entre o que cabia numa máquina Xerox e o que não cabia (e, por isso, não interessava).

Elaborando um desenho, gostou da mancha deixada pelo copo de tinta no papel. Pegou o tal copo e passou a compor só com a base dele.

Ricardo Humberto conta essas histórias enquanto folheia a Gráfica – a "sua" Gráfica – sobre a mesa de um café na Galeria Ritz. "Quando olho para essas imagens, só consigo ver o que eu queria fazer e, por vários motivos, não consegui. Não dá para dissociar esses trabalhos dos acidentes por trás deles", diz. Na definição da artista plástica Fayga Ostrower, citada por ele, são "os acasos da criação".

Não existe afetação nem engajamento nos trabalhos de Ricardo Humberto. Se há um discurso, só pode ser estético. A experimentação e os acidentes – como o do álcool na panela ou o do copo de tinta – são levados pela disposição de encontrar uma textura, traço ou efeito que valem ser impressos. No jornal e, agora, fora dele.

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