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Poucos diretores contemporâneos podem se vangloriar de ter em sua obra um filme que seja ao mesmo tempo amado pelo público e popular entre os críticos. O italiano Giuseppe Tornatore é um deles. Seu Cinema Paradiso, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1988 e Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, está entre os longas-metragens de cabeceira de muita gente, que o vê e revê sempre se emocionando.

O realizador siciliano participa neste ano da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com seu mais recente filme, A Desconhecida, que vem lotando todas as sessões em que é exibido no festival paulistano. Afinal de contas, Tornatore – cuja obra inclui outros títulos bastante conhecidos como O Homem das Estrelas e Malena – é, por si só, um chamariz de público.

Com os trabalhos anteriores do diretor, A Desconhecida tem, além da trilha sonora de Ennio Morricone, um certo despudor em assumir o tom de melodrama. Tornatore é um cineasta da emoção, isso faz parte de sua identidade. Seu novo filme, entretanto, tem mais a oferecer além do arrebatamento.

Ao contar a trágica história de Irina, uma misteriosa imigrante ucraniana na Itália, o diretor coloca o dedo em uma ferida bastante incômoda e atual: a dificuldade não apenas dos italianos, mas de praticamente todos os europeus ocidentais, em lidar com o número cada vez maior de estrangeiros das mais diversas origens em seu território. Embora não seja esse seu tema central, A Desconhecida denuncia a crescente xenofobia no Velho Continente. Mostra que até mesmo cidadãos de países próximos, como a protagonista, têm de lidar com preconceito e desconfiança. Ela é vista como intrusa. Isso é evidenciado de maneira contudente em uma cena na qual é revistada em um supermercado, depois de ser denunciada pelo seu sotaque, sob a suspeita de um furto que não cometeu.

Sobre Irina, sabe-se pouco. Mas, já em suas primeiras seqüências, o filme revela que a personagem, uma mulher bela, porém visivelmente amargurada, passou por um grave trauma e teve de se prostituir para sobreviver, submetendo-se a humilhações físicas e emocionais em sua luta pela sobrevivência numa Itália retratada por Tornatore de forma sombria e cruel.

O peso desse passado misterioso pouco a pouco vai se impondo à medida em que a trama se desenvolve. Irina não mede esforços para se aproximar de uma família abastada, com o objetivo de se tornar a babá da única filha do casal. Por quê? Melhor não revelar para não estragar a surpresa.

Representante italiano na corrida do Oscar 2008, A Desconhecida fez sucesso de público e venceu cinco prêmios David di Dontatello, o mais importante do cinema italiano: nas categorias de melhor filme, diretor, roteiro, fotografia, trilha sonora e atriz, para a extraordinária Kseniya Rappoport, que é a alma do longa de Tornatore. O desempenho da atriz russa, um dos melhores deste ano, confere à fascinante personagem doses equilibradas de ambigüidade, sedução, ternura e desespero que não deixam os espectadores tirar os olhos da tela.

Construído como um thriller, guiado pelo mistério em torno de Irina, A Desconhecida pode incomodar quem prefere um cinema mais contido, econômico. Mas quem conhece o cinema de Tornatore, sabe que contenção não é sua marca registrada, pelo contrário. Suas tramas são caudalosas, repletas de vastas emoções e pensamentos imperfeitos. É impossível ficar indiferente a elas.

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