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Fabrício Corsaletti, escritor.

A poesia de Fabrício Corsaletti tem o poder de converter leitores. Ao ler um livro como Esquimó, lançado há pouco, até o mais cético pode se tornar crente em versos. Se estes são capazes de libertar, não se sabe, mas podem fazê-lo "mais integral e prazerosamente vivo", para usar as palavras de um importante ensaísta britânico.

Pelos temas que aborda, todos pessoais – amor, família, saudade, cinema e até psicanálise –, ou pela simplicidade enganosa dos versos, o escritor paulista é um nome de destaque na literatura brasileira. Uma proeza incrível para alguém ligado à poesia, um gênero que não costuma vender livros. Esquimó sai pela Companhia das Letras, que publicou também Estudos para o Seu Corpo (2007, poesia) e King Kong e Cervejas (2008, contos). Seu romance, Golpe de Ar (2008), saiu pela Editora 34.

Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Corsaletti fala sobre literatura, terapia e rabanetes.

O ensaísta A. Alvarez, no livro A Voz do Escritor, diz que "Escrever é menos uma compulsão e mais uma infelicidade, como um caso de amor condenado". O que pensa dessa ideia?

Não sei se entendo essa frase de A. Alvarez. Em todo caso, não vejo a escrita como uma compulsão e nem como um caso de amor condenado. Para mim, escrever é uma necessidade, que surgiu aos quinze anos e até agora não passou. Além disso, quando consigo escrever bem, sinto uma grande, incomparável felicidade.

No poema "Hoje Foi Minha Última Sessão", parte de Esquimó, você agradece a sua analista que "revirou" seus ideais pelo avesso. Qual foi o papel da análise na sua formação como escritor?

Não entendo nada de psicanálise em termos objetivos, científicos, intelectuais. Mas fiz nove anos de análise confiando plenamente na minha analista. O que sei é que foi uma grande experiência, e tudo o que sou e publiquei de alguma forma tem a ver com essa experiência.

Para citar Alvarez uma última vez, você conseguiria citar um poema que o tornou "mais integral e prazerosamente vivo"?

Muitos dos poemas de que realmente gosto me dão essa sensação. Para dar alguns exemplos, "Canção do Vento e da Minha Vida", do Manuel Bandeira; "Colina das Samambaias", do Dylan Thomas; "Paisagem pelo Telefone", do João Cabral.

Fala-se sobre o quanto sua experiência pessoal é usada na poesia que escreve. Existe algum limite com relação a que está disposto a "usar" e o que prefere deixar de fora dos seus versos? Ou essa é uma preocupação que você não tem?

Sempre escrevi movido por necessidades íntimas, mas nunca pensei que minhas questões pessoais interessassem a alguém enquanto não fossem transformadas em poesia, em literatura. Não pretendo escrever diários. Acontece que, na maioria das vezes, parto de experiências minhas para chegar a alguma coisa digna de ser chamada de conto, romance ou poema. Para chegar a isso, é preciso frequentemente "trair" a experiência pessoal. Mas, voltando a sua pergunta: não existe um limite para o que estou disposto a usar na literatura.

Alguns poemas parecem enigmas, como "Pobre Angélica Freitas", em que escreve sobre "a monstrinha" de cada um. Esse é um efeito calculado?

Não sou capaz de calcular os efeitos do que escrevo. Mas esse da Angélica Freitas é justamente um poema sobre um enigma e eu achei ótimo que ele tenha ficado enigmático.

Conte-me como surgiu o seu interesse pela atriz Eva Green.

Veja Os Sonhadores, do Bertolucci, e você vai entender como o interesse surgiu.

Bob Dylan é uma referência. Como você chegou até ele e quando decidiu estudar suas composições?

Cheguei até Bob Dylan vendo o documentário de Martin Scorsese, No Direction Home. Fiquei fascinado pela personalidade de Dylan, por seu pensamento. Aí fui atrás das letras, estudei um pouco de inglês, muitas vezes pedi ajuda aos amigos... Faz quatro anos que ouço quase diariamente suas canções. Sua poesia é complexa: ao mesmo tempo sofisticada e tosca, mundana e misteriosa, ancestral e pop, sensorial e narrativa... É apaixonante.

Num de seus poemas (confira nesta página), você usa o rabanete como metáfora. Por quê?

"Hoje Foi Minha Última Sessão" está bem colado ao que me aconteceu no dia em que fiz minha última sessão de análise. Chegando em casa, passei no supermercado e comprei vinho e rabanetes (no poema, é a namorada de Corsaletti, Mariana Rocha, quem compra). Ouvindo Dylan, escrevi o poema. No dia seguinte, dei um trato em alguns versos e finalizei o texto. Enfim, não tenho a menor ideia de por que os rabanetes, mas lembro que comi rabanetes naquele dia.

Serviço

Esquimó, de Fabrício Corsaletti. Companhia das Letras, 80 págs., R$ 31.

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